sábado, 24 de dezembro de 2016

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

poema que olha

olha
você é muito bonita

mas você é muito mais bonita
me olhando

e não porque seja eu
especificamente
aquele que é olhado

mas
só porque você me olha
dentro de meus olhos
(pelas pupilas)
posso olhar seus olhos olhando

e num instante
o mundo parece cintilar
e ser bom
(e eu ficaria
ante seus olhos
acarianhando-os para sempre)

mas a vida
não olha para nós -
ela segue se desdobrando
em genocídios
em guerras
em fins-do-mundo

construindo massacres
no seio de nossa classe

por isso
seus olhos
(seus dois grandes olhos
que se embonitam se
me olham)
não são
a razão
da minha vida

(seus olhos não tem de ter razão)

são antes
uma desrazão
com que me rendo
a sortilégios

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

poema burro

eu sei
quase nada
sobre tudo

(eu desentendo o mundo)

sobretudo
as obviedades
só as sei
desenvolvidas por extenso

não tenho prática
em apreender
sabedorias

não saberia dizer
a última vez
quando soube algo

(sou mais dado a sentir
estranhezas
e a prescindir de
clarezas)

domingo, 18 de dezembro de 2016

poema tácito

"(...) your eyes have their silence:
in your most frail gesture are things which enclose me,
or which i cannot touch because they are too near"
(e.e.cummings)

é necessária
certa quantidade de silêncio
diante de olhos

é preciso cuidado
no verbo

mesmo a palavra escrita
necessita de pausa
ou de

é que
dizer o quê?
dizer o quê?
se tudo é tão incerto
se tudo é tão frágil

estar tão perto
de olhos
exige ciso

não se rasga assim
o peito
a essa distância
(não se o toca)

é preciso guardar 
certa quantidade
de silêncio

(isso diante de olhos)

porque a esta altura
da história da humanidade
qualquer barulho
qualquer desaviso
qualquer sobressalto
...

(em silêncio
desalinho cuidadoso
meu tácito coração)

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

poema ocupado

(Ao movimento estudantil da Unifesp BS)

não eram mais que
meninas e meninos
sabendo o que não queriam

sabendo-se postos em risco
pra que o lucro dos ricos
não corresse riscos

então
preocupados com o futuro
ocuparam-se de agir

no início sem saber muito como
sem saber muito o quê
mas já disse um poeta

quanto mais a gente luta
mais a luta nos educa

então
ocuparam-se de ocupar um campus
que logo virou dois

e descobriram rapidamente
(a luta nos educa aos saltos)
que só ocupar era pouco
era preciso radicalizar

então
falaram muito de economia política
falaram muito de outras lutas lutadas outrora
falaram muito de como vencer

e descobriram que pra vencer
era preciso atacar o capital
(ainda que um capital em potencial)

então
ocuparam-se de trancar um portão
e dizer uma dúzia de nãos

de repente
sabiam-se não meninas e meninos
tampouco mero coletivo
mas o movimento estudantil

então
venceram

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

poema salobre

olho o mar
taciturno

que dizer
diante de ondas
e espuma?
sobre areia
e saudade?

o mar não basta

embaixo deste chapéu de sol
vermelhecido de inverno
não me basta
qualquer sopro de maresia

o mar não basta

é preciso qualquer coisa
que o afronte
que defronte àquele infinito azulado
irrompa algo que me assombre

um temor
um tremor
um calor
um clamor
um amor
salgado

que o mar
só basta
contigo
comigo
comungando
o ato salobre
do amar

sábado, 10 de dezembro de 2016

poema invertido

é diante do espelho
que te sei
ante o teu oposto

ante o avesso
de tudo o que fui
o que supus ser

é que a vida
a mentida, a ferida, a consentida
vida (como já fora alertado)
deu de ir me estragando
deu de ir me matando
até que não sobrou muito de mim
senão eu mesmo coisa solta no mundo
(objeto
matéria que dói
porção de muco que vaza
naco de vida amalgamada no universo de outras vidas desentranhadas de afetos e ressentimentos)

mas
diante do espelho
a vida é um pressentimento
um não saber de si
um porvir fora de mim e do que eu possa manejar

ante o espelho
o mundo é uma desrazão
é um devaneio
de poemas músicas canções
um saber o mundo apesar dele
(dor opressão e fome)
um não sei o quê

e a despeito dele
do cansado e combalido mundo
encontro uma razão
em ver sentido no belo

(sou assassinado ao contrário)

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