sexta-feira, 23 de novembro de 2012

poema no. 323

a minha filha

helena não sabia
de nenhum pudor
e nunca viu problema
em exibir os mamilos

no dia em que lhe disseram
que era feio
(exibi-los
não os mamilos em si)
ela chorou
e chorou com medo
de que fossem vistos

helena virou mulher

domingo, 18 de novembro de 2012

poema no. 322

em gaza
bombardeios israelenses matam palestinos

em são paulo
pessoas são mortas e casas são invadidas

em lisboa e madrid e em toda a europa
greves gerais são reprimidas com violência para a manutenção da ordem

em são paulo
estudantes ocupam uma reitoria

em natal
há uma manifestação contra o aumento da passagem (reprimida)

apesar disso
cá estou às duas e treze
escrevendo um mau poema
e conjeturando
em silêncio

que a vida
se supõe
em silêncio

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

poema no. 321

tornaste-te um nome
apenas

como se fosse pouco
um nome

tornaste-te um nome proibido
um nome de coisa proibida
um nome que não se diz
uma coisa que não se quer

como se fosse pouco
um nome proibido

tornaste-te uma ideia

(não uma ideia
apenas

uma ideia inaudita)

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

poema no. 320 ou ausente

não farei o poema de minha tristeza
minha tristeza não cabe no poema

tampouco farei o poema
onírico
de ventos que uivam
de folhas cortantes de cana verde
de cabras imaculadas

meu poema não é de sonhos nem de dor

não farei o poema de meu imenso amor
sobre o meu amor intenso e imenso
não porque ele não caiba no poema (e não cabe)
mas porque ele já não cabe em mim

meu poema será sobre nada
sobre o vazio
sobre a ausência
que se encerra
em mim

terça-feira, 6 de novembro de 2012

poema no. 319

não sei o que sinto
mas sinto que não sei (mais)

mudar na cabeça
a chave
de
       sentir
para
       saber

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Livro das Ignorãças

Manoel de Barros é um poeta.
Ele faz poemas sobre nada. E versos com ignorãças.
Abaixo um vídeo com trechos de poemas seus, do Livro das Ignorãças.


domingo, 4 de novembro de 2012

poema no. 318 ou poema egoísta

eu sei
que a vida ainda é difícil
com as opressões de classe e de gênero e de raça e de

sei que o capital avança sobre nossos direitos
e que pessoas morrem
na calada da noite

sei que a noite
é mais noite na periferia
e que balas cruzam os bairros
e coturnos abrem portas e espaço para
as balas que cruzam os bairros

mas agora
só consigo pensar
em mim e em minha dor

no escuro que se faz em mim
no abismo que se coloca diante de mim
na dó e na pena e na piedade que sinto de mim

e nada tem a ver com minha classe
ou com as opressões
ou com os ataques do capital

tem a ver comigo
e só

sábado, 3 de novembro de 2012

poema no. 317 ou poema da vila margarida

a vila margarida é um bairro proletário
próximo ao mar pequeno

muitos dos proletários e proletárias
(também há proletárias na vila margarida)
desconhecem
o significado da palavra 'proletário'

muitos
só tem pra si o vocabulário proletário
que não possui via de regra o vocábulo 'proletário'

mas os proletários e proletárias da vila margarida
sabem o que é ser proletário e proletária
porque a condição proletária acontece
na pele
no rosto
nos olhos
do proletariado

acontece no chão em que ele pisa
que se encharca de água e esgoto quando chove
(sim
em bairros proletários chove esgoto
e encharca de esgoto o pé proletário)

acontece na frágil inviolabilidade do lar proletário
acontece na frágil inviolabilidade da vida proletária

o proletariado sabe de sua condição proletária
quando seus filhos (mais até que suas filhas)
morrem
assim
só por morrer
só porque são proletários
e moram na vila margarida (um bairro proletário)

e porque morrem
e porque são proletários
e porque viviam num bairro proletário (a vila margarida)
onde chove esgoto e as paredes se parecem com cavaletes

ninguém liga
ninguém nota
ninguém se importa

(ninguém que não viva
na vila margarida)

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

poema no. 316

em casa
onde a vida é cercada
por lanças e por um cão
e onde
a não ser por umas janelas
a visão de quem está fora
é vedada
a verdade custa a entrar

a luz dos monitores não permite enxergar com precisão
o que ocorre além dos monitores

e eis que
quando se descobre
que pessoas estão sendo mortas
aos montes
a cada dia
às dezenas
elas já morreram
e já não se pode fazer nada

e quando se descobre que pessoas
tem o lar violado
aos montes
violentamente
por brutamontes
e seus rostos espancados
já foram os lares violados
os rostos espancados
e nada foi feito
nem será

a verdade
numa casa hermética como as deste bairro
quando chega
já é um caso
história
(mesmo que esteja acontecendo agora)

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