terça-feira, 21 de junho de 2016

poema na morte de yoshio konishi

(a meu sogro)

1.
o dia mal amanhecera
e era de frio e sereno
apenas
a manhã

tua filha falava da vida
que sim
haveria de existir para além de ti
e
entre mim e tua filha
tua respiração teimava em respirar
à revelia
do corpo que aos poucos
deixava de funcionar

2.
era certo que tu não estavas ali
talvez estivesses em outro tempo
em alguma memória de algum momento
em alguma mentira verdadeira de algum amigo
- e eram tantas silenciosas amizades -

mas ali
sabíamos
teu coração teimava em bater
teu pulmão teimava em inflar
mas tua vida ocorria no passado
que não era ali
entre tubos e assepsia
lugar de ocorrer a vida

3.
tua vida ocorreu entre sujeira
entre graxa de empilhadeira e cheiro de peixe
entre outras vidas tão duras e a tua própria
que por vezes pôde esperar

e se a minha cruzou com a tua
e se cordialmente seguimos lado a lado
e se tivemos amores em comum
isso é uma rabeira da tua vida
que ela foi tantas e de tantos
e se demorei a entender
que ser pra tantos era também exercer a vida
tua morte o mostrou
vertido em multidão

4.
teu pulmão se conformou
(como nós?)
e exerceu sob meu olhar seu último aceno

não era mais preciso:
a vida haveria de existir
serena
(como foi tua morte)
para além de você
em outras vidas

não é de despedida
a tua morte
é de reencontro

(21/06/2015)

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