(a Maria Carolina Victorio Castelar
que começou o poema num devaneio)
neste escuro
silenciado
pelo morrer
de cada
tic
e
tac
procuro
paz
no meio
da angústia
de saber
que daqui
adiante
cada segundo
estará
divido
ao meio
por
um tic
e
um tac
(e de fato há muito pouco a ser feito
poderia ter aberto mão de dar corda ao relógio
ou ainda livrar-me dele ou transferi-lo a um cômodo distante
mas que dizer ao professor de epidemiologia
que me aguarda ansioso às oito em ponto
para a sua brilhante exposição de slides)
tic
(sempre essa previsibilidade de no próximo meio segundo ouvir tic
e no próximo
tac)
tac
(e nessa suspensão forjada
a esperança vazia de alcançar o próximo meio segundo por um atalho
um túnel um viaduto um buraco
por onde eu escape da sinalização mecânica do tempo que se dá à minha volta)
tac
(e então
num suspiro quente
num instante em que olhos movem-se ligeiramente
saber-me uma outra um espelho um devaneio
fugindo de um frenesi infinito
saltando de cenário em cenário
e ainda assim em paz
a salvo do próximo tic)
trim