quarta-feira, 29 de agosto de 2012

poema no. 300


As peras, no prato,
apodrecem.
O relógio, sobre elas,
mede
a sua morte?
(Ferreira Gullar)

a vida segue
nós seguimos
juntos

e assim vida e nós
parados um com o outro

mas em dado momento
a vida avançou
(ou nós)

nos distanciamos

e quem podia prever
e quem podia notar
se parados
se distraídos com tanta coisa
com o mundo todo em sofrimento
com o capital alienando o mundo todo em sofrimento
com o cotidiano afogar-se em contas e tentar viver apesar delas
com o esperar do ônibus do trem do trólebus do metrô e de outro ônibus
(no ponto de táxi
pois é mais seguro)

a vida seguiu mais rápido (ou nós)
e eu te amo desesperadamente
e a vida segue mais rápido (ou nós)

não sei o que te dizer
não sei o que me dizer
não sei se há algo a ser dito
                                            ou feito ou esperado
não quero ser saudosista
não quero mais dor nem me ater à vida
       quero que tudo acabe

bem

poema no. 299


um homem com uma dor 
é muito mais elegante 
caminha assim de lado 
como se chegasse atrasado 
andasse mais adiante  
(Paulo Leminski)

eta vida

que dor
que dor é tanta
que dói e dói e dói e dói

e eu sei não vai não vai não vai não
passar

(vai
racionalmente vai
mas essa sensação de descompasso
abala qualquer razão)

e dói e dói e dói e dói e

atenuantes há
uma conversa
uma bebida
um sono longo

e dói e dói e dói e dói e
e não passa e não passa e não passa e não passa

o que resta é
ater-se à vida
ordinária
com seus cheques e protestos e carimbos
e reemplacamentos
e dentistas de convênios

e dói e dói e dói

eta vida

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

poema no. 298

parece que
nada funciona

há algo que sabemos
não funciona

não funciona a vida
como queríamos
como queremos
como prevíamos

há mais dor e fome do que pensávamos
(mais frio)
mais opressão sobre a nossa classe
mais dificuldade em nos organizar
mais certeza de que

não funciona a vida

nem a nossa
nem a minha
nem a minha e sua

as dores pequeno burguesas
ainda nos ferem
em algum lugar
algum recôndito

talvez funcione a vida
(a minha e sua
não a nossa)
nós e nosso modo de ser pequeno burguês em libertação é que ainda não funcionamos

em breve
há de ser feito um reparo

e a vida seguirá
funcionando
ou
não

desfuncionando

ou antes
a destruiremos
(a minha e sua
a nossa
não a minha
e a sua)
e faremos algo de bom

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

poema no. 297

o que ocorre

se você é tão bonita
e tem a inteligência que não tenho

que entre nós brota o desacordo

se você sabe de mim
tanto que me assusto
e nem posso fingir com dignidade
se dentro de você
tenho perigosas
paradas cardiorrespiratórias
 e dentro de mim
você produz
toda a espécie de delírios
se você me provoca
e me faz pensar
e estranhar as coisas

por que esse desacordo
que por vezes nos leva a crer
que tudo irá acabar
esse desacordo que nos proíbe

um do outro

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

poema no. 296 ou poema sem muita ação

há muita vontade
e pouca ação

é que a vida
não se mede
em atos

a vida não é uma peça

não se pega a vida
talvez nem se aja
nela

ela
só espera

eu
só expiro

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

poema no. 295

hoje
sonhei o sonho alheio

sonhei que estava sentado
diante de minha amiga

que sofria e sofria
e de suas mãos fluía óleo

eu a acalmava
mas eu mesmo estava em dúvida

(nós dois sabíamos que era sonho
só não tínhamos certeza de quem)

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

poema no. 294 ou moleque

Aline Cristina Lourenço
quando eu tinha
12 anos e você 11
você era a pessoa mais bonita do mundo

não que houvesse concretamente qualquer
coisa de extraordinário
contudo
e não sei como nem quando
você se tornou uma luz
e mundo tornou-se turvo para mim


(tudo era extremamente ordinário
mas com 12 anos
o amor é mais fácil e raso)


nada importava
apenas me apaixonar por você

não jogava bola
para me apaixonar por você
não comia cachorro quente
para me apaixonar por você
não tomava suco de soja
para me apaixonar por você
não fazia as lições
não entrava no laboratório
não tomava o meu ônibus

para me apaixonar por você

a vida era dura
e se rasgavam diante de mim
todas as verdades pequeno burguesas que me faziam existir
mas tudo era turvo

e um dia você usou um boné
e um dia você usou uma camisa do Santos F.C.
e um dia você lavou os cabelos
e jogou vôlei
e revelou a paixão de sua amiga por mim
e beijou o rapaz mais legal da turma
e meu coração enamoradamente pequeno burguês
se rasgava
se rasgava


que hoje
quando somos adultos
e não sei mais de você
quando tenho menos coração
e sou menos pequeno burguês
quando a vida ainda é dura
menos comigo
e mais com a minha classe
você é apenas uma lembrança

(lembrar de você
é lembrar de mim)

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

poema no. 293

dizer não é tarefa de poema
dizer é tarefa de conversa

dizer é tarefa ordinária
dada a objetivos ordinários

tarefa de poema é desser

mas não ser como
se a vida nos empurra

(a vida lenta e frágil
que oprime
comprime os miolos
a ponto de vomitarmos os bofes

a vida que teima em ser mais vida
no Gonzaga e mais morte
na ZN)

para a existência
concreta e sapiente

poema no. 292

estar preso
em suas palavras

mesmo nelas
estar preso

ou ainda
dormente
ou ainda
adormecido

ou ainda
acovardado
acocorado

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

poema no. 291

um poema de luta
é muito pouco para fomentar a luta

mesmo dois
ou três

mesmo todos os poemas de luta
são muito poucos para se fazer a luta

a luta se faz com vontades e
saberes

também se faz com dizeres
e quereres

(e tudo isso cabe no poema)

mas poemas não quebram janelas
não param estradas
não rompem barreiras
não cessam o efeito do gás
não tomam de assalto o poder

poemas tem força
mas perto da classe trabalhadora
são apenas um devaneio pequeno burguês

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

poema no. 290 ou poema imaturo

a dor de estar só
dói mais quando
se está só

quando se está só só
não se tem ninguém pra conversar
e a dor fica pra sempre por perto
(e quando se sente dor se é frágil)

é que quando se sente dor
se é frágil
e é mais difícil enfrentar
as coisas sozinho
(como a dor de estar só)

é muito doído estar só
quando se está só
com alguém por perto
é mais fácil estar só

(procurar uma multidão ou uma amiga)

poema no. 289

sentir o sol
e
sentir dó

poderia ser uma quarta
mas é toda a dor do mundo

poema no. 288

fazer poemas
como um adolescente em lágrimas
ou como um poeta velho e bêbado em lágrimas
ou como poeta em depressão em lágrimas
não mudará nada

fazer poemas
com o engajamento revolucionário
também não

mas muita lágrima verte a luta em dor

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Egberto Gismonti - Água e Vinho

     Egberto Gismonti é uma loucura.

     Uma doidera só, aquilo que ele propõe com seu violão de 10 cordas, com sua flauta de PVC, com seu piano de todos os sons. E ele diz tudo fácil. Tudo simples.
     Mas o mais bonito, sai de sua cabeça e entra na nossa. Talvez não passe por suas mãos ou por seu pescoço que requebra enquanto elas executam. Mas saia voando direto de sua cachola para a nossa. Como Água e Vinho.




poema no. 287

é esta vontade de mudar tudo
este querer tudo
e todos

esta vontade de beijar desesperadamente
todos os homens e mulheres que amo
desesperadamente

de correr
(correr correr de verdade sem metáfora)
seguramente em direção a algo
com o fôlego que não tenho

de ouvir água e vinho até o fim dos tempos
se é que haverão

de escrever harão
de escrever tudo o que hará de não existir
de falar outra língua
de falar a não língua que busco e não encontro para escrever

de calar-me e ficar calado
quietinho quietinho miúdo
pensando pensando

essa vontade de ter vontade
vontades
maiores que eu
maiores que tudo
que sobrarão além de mim
e que as darei a alguém
que harão de sacia-las sobre o chão em que estarei sob

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...