segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

poema no. 329 ou sentimental

eu queria era conseguir afastar
minha cabeça
(é que tento pensar
mas a razão não obedece)

tem hora que um tempão não dura o tempo de um raciocínio
tem hora que um tempinho dura todo um sentimento

(às vezes tenho medo de ser um tempo pra sempre)

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

poema no. 328

me entristeço
na tua tristeza

te ver triste
e distante

neste instante
distante
é mais triste

estar alienado
de tua tristeza
estar amarrado
em minha tristeza

e só olhar
e só te ver
e só ficar

parado e triste

sem te por um travesseiro
embaixo de tua cabeça
sem te dar um chá
de erva-cidreira
sem te arrumar meios
de embriaguez

ficar aqui e só
enquanto tu
triste
triste
triste

ai
ai

Santos, 'Porgy and Bess' e a Osesp

George Gershwin
   Neste fim de semana estive assistindo a "Porgy and Bess", ópera de George Gershwin, letras de Heyward e Ira Gershwin, baseada no romance "Porgy" de DuBose Heyard. As peças da ópera foram executadas na praia do Gonzaga, em Santos - SP. É lá que a Osesp tem fechado suas temporadas nos últimos anos.
   Porgy and Bess é uma obra prima. É, talvez, a grande obra de Gershwin, compositor que procurou aproximar a música popular da música erudita. Por isso foi esnobado quando foi estudar na Europa, por isso sua ópera não foi considerada uma ópera "legítima" até 1976, mas também por isso, ousou em colocar os trabalhadores negros do sul dos Estados Unidos pela primeira vez nos papéis principais de uma ópera. Além disso, é musicalmente uma obra avançada, com elementos jazzísticos,  folclóricos, mas também com fugas, politonalismos e atonalismos. Sua peça mais famosa seguramente é "Summertime", que ficou mais conhecida não na versão da ópera, mas na voz de Ella Fitzgerald. 
   "Ora, e daí?" Pergunta a leitora mais afoita. E daí que essa execução suscitou uma série de perguntas e inquietações a respeito da música erudita, da Osesp, da obra de Gershwin.
   As questões passam, de modo geral, pela pertinência da música erudita, pela opção de repertório feito pela Osesp, pelo local do concerto (uma praia num bairro "nobre" de Santos), pelo teor machista de algumas passagens da obra.
   E aí, fiquei pensando, pensando e pensei assim:
   Não há dúvidas, talvez ninguém questione, que a classe trabalhadora está alienada de determinadas expressões de cultura (inclusive de determinados aspectos da cultura popular), que a ela só é dada a chance, muitas vezes, de se apropriar da cultura de massa, produzida pela indústria cultural com o único objetivo de obter lucro. Mas aqui, estamos falando do não acesso de trabalhadoras e trabalhadores à música erudita.
   E do que falo quando digo "cultura erudita"? Digo de uma cultura ligada à pesquisa, à experimentação, ao estudo de técnicas, história, metodologias etc. Ora, é claro que este tipo de cultura deve estar ligado à classe que detém o "privilégio" de acessar a pesquisa, a história, o estudo - a burguesia. 

Fechamento da temporada da Osesp em 2011
   Então, quando falamos de acesso popular à música erudita, estamos falando de acesso à educação, à universidade etc. E não que a música erudita só possa ser admirada por um grupo de iniciados, mas os referenciais estéticos tendem à média daquilo que se tem acesso.
   Nesse sentido, a ideia em si de levar a música de concerto para fora da sala de concerto é boa. Mas, se cruzarmos isto com o fato de que ocupação das ruas também tem um recorte de classe, a ideia pode não ser tão boa assim. Quem frequenta o Gonzaga? Ou melhor, quem tem direito ao livre acesso ao Gonzaga? A burguesia e a pequeno-burguesia. Ora, à classe trabalhadora só é dado acesso ao Gonzaga pelas entradas de serviço. Então é de se imaginar que na praia de um dos bairros burgueses de Santos (na verdade, com a escalada de preços propiciada pela especulação imobiliária é impossível imaginar um bairro proletário na orla de Santos) quem estará assistindo a um concerto (recorte da cultura acessado majoritariamente pelos burgueses) serão burgueses.
   Mas, apesar disso, pensemos no repertório escolhido: Uma pequena suíte (seleção de músicas) de Chico Buarque e "Porgy and Bess". Um repertório relativamente popular para um concerto. Mas o bastante para atrair as massas, ou ainda pequenas parcelas dela, para as areias do Gonzaga naquele domingo? Não.
   É inegável o valor de Chico Buarque. É inegável o valor de Porgy and Bess. Mas é inegável que acesso a cultura não se faz dessa forma. Não faz sentido que num estado onde não se ensina música nas escolas, um programa imagine que irá popularizar a música de concerto levando-a uma vez por ano à praia mais burguesa de uma das cidade mais elitistas do estado.
Gershwin
   Quanto a "Porgy and Bess", sim, ela tem elementos de machismo. Mas como as tem "Orfeu da Conceição" de Tom e Vinícius. Como as tem muitos dos sambas de Noel Rosa. Quem nega o grande poeta que foi Vinícius de Moraes? Mas quem nega que os versos de Receita de Mulher" sejam machistas ("As muito feias que me perdoem / Mas beleza é fundamental.")? Curiosamente, "Porgy and Bess", historicamente é acusada de racismo, de trazer um retrato estereotipado da comunidade negra estadunidense nos anos 1930. Não estou propondo que não olhemos com crítica para a obra. Não estou usando a desculpa de que é uma obra de seu tempo. Não estou tentando relativizar o machismo. Qualquer opressão deve ser combatida com todas as forças! O que estou dizendo é que a obra tem muitos elementos avançados, inclusive no questionamento à naturalização do estupro, por exemplo, e no reconhecimento da cultura negra do sul dos Estados Unidos como legítima... mas, sim, escorrega aqui e ali.
   De tudo isso, o que fica? Eu, pessoalmente, fiquei muito feliz de estar no Gonzaga ouvindo "Porgy and Bess". Gosto muito desta obra, gosto muito de Gershwin. Mas não posso fechar os olhos e me enganar de que a música erudita acaba este domingo sendo mais popular. Ela segue sendo propriedade de uma elite econômico-social, segue sendo inacessível à classe trabalhadora, e temo que isso seja uma das estratégias de dominação de uma classe sobre a outra.
   Abaixo "Summertime", com Ella Fitzgerald e Cecily Nall.


terça-feira, 18 de dezembro de 2012

poema no. 327 ou poema extemporâneo

A Nayara Moreira Gatti
(que deu início à poesia)

saber que tem tempo
em que não há tempo
saber que há tempo
em que todo tempo é tempo

(tomar cuidado
com nossos tempos )

domingo, 16 de dezembro de 2012

poema no. 326

lila pensa que sou um poeta
que sinto e sofro mais que as pessoas todas
(inclusive você e lila)

que sou sensível
e em mim
as dores doem mais
e tudo é intenso e louco

mas o que lila não sabe
é que isso tem pouco a ver com poemas
(que deleuze diz
deve libertar o sentido
de suas representações
deve desconstruir
significantes)

tudo isso que se absurda em mim
tem pouco a ver com sentidos
e significantes

isso
essa coisa
que ocorre quando estou e não
ao seu lado
é uma bobeira
uma desminhoquice de cabeça
que qualquer hora passa

como passará o poema

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

poema no. 325

sofrer em silêncio
          em silêncio
manter em segredo

que sofro
que sonho

(em silêncio
em si)

poema no. 324

ter cuidado ao dizer palavras
ter o cuidado de dizer palavras
que (por ora) existam

(se não for dizer
não use palavras)


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