quarta-feira, 17 de abril de 2013

poema no. 353


Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
(Carlos Drummond de Andrade)

não há muito o que ser dito
tudo já foi dito
mil vezes
pra mil pessoas
em mil cenários
de mil maneiras
em mil línguas

ainda assim

poderia lançar mão de dois ou três
artifícios formais
e fazer um pequeno poema
(ou algo assim)
sobre o que foi a vida
(ou algo assim)
nos últimos meses
nos últimos dias

mas tenho a impressão
de que não há forma
formalidade
que dê conta
da dor
da cor torpe que tomou minha pele
meus pelos

poderia escrever três ou quatro versos vagos
mas
e a vaga que arrebentou
dilacerou
esfrangalhou
tudo

expor
abrir o meu peito
rasgar meu tórax e deixando passar
vazantes debulhadas e raivosas
(que de raiva e debulho estou cheio)
muito menos adianta
ou verte-se em arte

e que pode a arte

e por isso
é preciso que se lance mão da concretude
da palavra
saudade
da palavra
sozinho
da palavra
pronto-socorro
da palavra
suicídio
da palavra
medo
da palavra
mal-cheiro

lá fora as coisas seguem
sendo coisas e só
mais nada

a vida seguirá com
seus objetivos
apesar de qualquer delicadeza
que haja em meus olhos
a vida seguirá
com baixos salários
com sub-empregos
com crianças encarceradas

porque a vida não suporta amenidades
a vida
não suporta lirismos
como meus ombros
não suportam o mundo

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