sábado, 13 de dezembro de 2014

poema grande

de repente
te acho linda

e então
se suspiro
tu és a mais linda
dentre todas as pessoas
mais lindas

e de tão linda
se agiganta
e quase não te alcanço
de minha pequenez

e tudo em ti
é grande e gigante

mas um dia
te sei em dor

(e em razão sei
é tua a dor que todos sentem
mas daqui de baixo
em minha pequenez devaneica
sei que a mais linda
entre as pessoas mais lindas
a que se agiganta dentro de mim
e me suspira em convulsões
não pode
não deve
sofrer)

e então
arranco de ti
dor a dor
e as enterro em mim
sob mentira e amor

ocorre
contudo
que tu és gigante

e uma dor
não
é uma dor

são galáxias chocando-se
dentro de seu universo
cosmicamente explodindo
e tornando-se outras mil milhões de galáxias
chocando-se

e eu
que tanto faltei às aulas de física
e resisti cegamente à construção de um bunker em meu quintal
sou atingido por mil milhões de rajadas
que me rasgam
em mil milhões de mauricios

que cabe a mim
senão recolher meus cacos
e seguir
meio liquefeito
meio esfarelado
meio gotejando 
meu amor pelo caminho

te sendo
ainda mais
que a mim


quinta-feira, 13 de novembro de 2014

poema financeiro

a amizade em mim
não retorna lucro

as taxas de administração do carinho tem sido altas
as alíquotas amorosas não têm compensado os custos
os dividendos dos sorrisos não vêm sendo os maiores do mercado

por isso
tantos investidores
cientes do mal negócio
tem debandado
para outros mercados
mais rentáveis

pois no fim
mesmo em meio a tanta luta
não se abre mão
da rentabilidade do afeto

(já circula entre os credores
que meu coração
solicita urgentemente
intervenção estatal)

terça-feira, 28 de outubro de 2014

poema de adeus do poeta à poesia

tua mão
tantas tantas
vezes
roçou a minha
e a minha
tiquetaqueava
convulsa
no teclado
tantas tantas tramas
mundanas
insanas

tanto tempo
vivi contigo
ao teu lado
dormindo em teu colo
colado em teu rosto
(o teu rosto de névoa)

ocorre
que a vida
não é só embriaguez
(tua embriaguez
com a qual
e só com ela
pude flertar com a
sensatez)
a vida
não se faz
de redondilhas

a vida se faz
crua
cruel
de fome
e fatos
a vida se faz na história
da luta de classes

se faz sendo preso
e castigado
por estar
e viver
em luta

por isso
terei de partir

tua boca jamais
roçará a minha
a procura de qualquer
significante

adiante
só tenho significados

e nada mais me interessa
que não seja verdade

quarta-feira, 30 de julho de 2014

poema atarefado

a vida segue
em algum lugar
ocorrendo meteórica
(e finalmente eu a sei
assim)
ocultando
contracheques
pensões
bolsas
como eu a oculto
(a atarefada vida)
sob quilos de tristezas
e mágoas carcomidas

fora de mim
a vida desata
caminhos
por onde não passo
aonde não chego

mas cá dentro
é por debaixo de
pranto e beiço
e mais ainda debaixo de
ódio de classe e birra
e sobretudo debaixo de
tudo e todos
os corpos ausentes

é que a vida tem
vivido em mim

sexta-feira, 6 de junho de 2014

sonhar, unir e lutar

às companheiras e companheiros do Coletivo Construção

primeiro que tudo
viram em volta
e tudo
tudo era
dor e morte
e sua classe
e seu povo
e elas e eles
doíam e morriam

então sonharam
um sonho simples
de que um outro mundo
era possível
um mundo sem posses
um mundo sem donos
um mundo
onde ninguém fosse de ninguém
onde o mundo fosse de todos

e era tão bom que sonhassem
e tão bonito o sonho
que uniram seus sonhos
se agigantaram
em esperança
viva
desperta de todo sono
liberta de todo medo

e de tão
gigantes que ficaram
todas todos
juntos juntas
cerraram os punhos
gritaram para o alto
puseram-se em luta
e
puderam ver
ainda que sob uma espessa fumaça
ainda que sob mais e mais camadas
de repressão de dor e desgraça

um mundo novo
em que todos são
livres

para Sonhar,
para Unir e
para Lutar!

terça-feira, 3 de junho de 2014

poema só

era assim
eu amava os cinco
e os cinco me amavam

mas

um tinha problemas de saúde
outra tinha problemas de vida
outro tinha problemas comigo
outra tinha problemas consigo
outro tinha problemas sem mim

e


fiquei sozinho

domingo, 18 de maio de 2014

amor de resistência

de tanto amar
e de tanto querer amar
mais e mais
mais sofro
de tão pouco amor
que sobra do amor

e tanto que sofro
e tanto que temo
imergir em mais dor
resisto ao amor

porém me ocorre
que estar livre do amor
é como render-se
como temer-se

(é preciso amar
como se houvesse amanhã
como se amanhã
um mundo novo fosse nascer
se eu amasse um amor que luta
se eu amasse um amor que avança)

e de tanto me ocorrer o amanhã
de tanto me surgir o adiante
resisto a resistir ao amor
e amo um amor que persiste

um amor de resistência

terça-feira, 13 de maio de 2014

sem posse

nossa relação
não é fechada
que um mundo
é tão pouco
para me bastar

nossa relação
não é aberta
fechado que sou
em mim e no que
me basto

nossa relação
não é livre
que neste mundo
quem é livre
pra ser e para amar

nossa relação
é uma relação
que luta
contra si
contra nós

que nós
ainda não nos bastamos
neste mundo
com tantos amos

quarta-feira, 30 de abril de 2014

tua luta

A Júlia Clara

companheira
se falo de ti
e minha boca
fala dele
é que meus olhos
ainda só veem
o que está aparente

essa tua luta
contra tudo
o patriarcalismo
o olhar dicotômico sobre nossos corpos
sobre nossos olhares
essa tua luta
é também contra o meu olhar acostumado
o meu olhar viciado
o meu olhar
que de tanto querer mudar o mundo
esqueceu de mudar a si mesmo

de mudar a mim

por isso
sigamos
companheira
em luta

nossos corpos irão mudar
nossos olhares irão mudar
o mundo irá mudar

tu serás tu
e eu já não serei mais eu
serei outro

o outro que te reconhece em mim

quarta-feira, 23 de abril de 2014

desamor

Se o poeta falar num gato, numa flor,
num vento que anda por descampados e desvios (...)
Se não falar em nada
e disser simplesmente tralalá… Que importa?
Todos os poemas são de amor!
Mário Quintana

meu dia é de dor
na luta que luto
no luto que guardo
pelos companheiros
pelas companheiras
que se foram

e se luto
se sigo em luta
se ponho em riste
meus punhos cerrados
e avanço cantando
canções de luta
de companheiras e companheiros
que já se foram
é que eu mesmo
já me fui

e se fico por aí
suspenso
içado vagando sem rumo
sem prumo
amando
sabe-se lá o que
por quê
pra quê

lembro que amor
não se ama em sonho
se ama em luta

terça-feira, 15 de abril de 2014

chuva boa

a chuva que deixa
a praia deserta
mesmo neste lado da cidade
onde a especulação imobiliária
encheu de torres o horizonte

onde uma avenida
homenageia um ditador
ao longo de duas dezenas
de quilômetros
de praia

onde há imagens pagãs
e fontes de água turva
e um ou outro mendigo
tumultua a caminhada matinal
de cães de raça

esta chuva que cai
e rega as rosas de meu vizinho
e cujo som se assemelha
a um riacho
de água esperta

se lança distante daqui
em bairros que repousam
embaixo de águas calmas

(não somos de ninguém)

terça-feira, 8 de abril de 2014

segurança

a polícia
que te protege
que te deixa
são e salvo
se por acaso
tu passas na quebrada

é a que quebra minha cara
preta (só porque ela é preta)

é a que mata meninos
é a que viola meninas
onde o seu candy crush
não chega

é a que invade o meu bairro
e nos explica o que é o
terror

a polícia que te protege
te protege
de mim

sábado, 29 de março de 2014

sem título

de que vale para mim
o teu amor o de rita o de gilberto
se adiante meu peito aberto
se tornará um beco
com saída pro fim

domingo, 23 de março de 2014

sobre a liberdade

O mundo não terá fronteiras
Nem estados, nem militares para proteger estados
Nem estados para proteger militares prepotências
(Mauro Iasi)

quando
nossos corpos são profanados
e arrastados e ocultados
das famílias e de deus

e nossa história é profanada
e toda a sorte de blasfêmias
nos registra e nos nomeia
nos marca a pele

quando
nossas genitálias são violadas
por armas fálicas e olhares fálicos

não é necessário temer
a volta de ditadores
que do cerne
de nossa classe
jamais se foram

é preciso ir à luta
ombro a ombro
com justeza
com a certeza
de que nossa pátria
é a nossa classe

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

poema insular

numa tangente
da ilha de são vicente
onde o mundo esfria
e minha memória ascende
algo se acende
incandescente
como um coração
só que quente

não de amor
ainda que ame

não de dor
ainda que doa

não de raiva
ainda que ralhe

e ainda que acente
reascende
reacende

crente de que a vida
não se sente

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