Hoje, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto do Estatuto da Juventude.
Por um lado, há sinais de avanços, como a extensão do benefício de meia entrada a jovens que estejam inseridos em programas de transferência de renda. Mas os avanços param por aí.
Do outro lado, estão uma série de ataques e/ou nuances que fazem deste projeto o grande retrocesso travestido de progresso do ano. Em primeiro lugar, o projeto entende como juventude vulnerável somente aquela que está inserida nos programas assistenciais. Além de excluir jovens que tenham renda familiar que se enquadre em 2 salários mínimos mas por não se enquadrar em outro critério não estejam no Cadastro Único, ainda reforça a vontade do governo em controlar essa população amarrando a garantia de direitos à necessidade de estar catalogado pelo Estado.
Além disso, há duas restrições à concessão do direito para quem já o tinha: Agora há um limite de 40% dos ingressos como meia-entrada (que antes eram ilimitados) - após este limite, o ingresso inteiro poderá ser cobrado de estudantes, inclusive - e para ter direito como estudantes, necessariamente terá de se apresentar a carteirinha da UNE - União Nacional dos Estudantes.
O limite de 40% é reivindicação antiga de parte da categoria artística. Os altos preços do ingressos eram justificados pela quantidade de meias-entradas que tinham de ser praticadas. Contudo, muitos grupos - alguns que nem costumam cobrar ingressos, mas "passar o chapéu" - não compactuam com o limite. Caio Martinez, da Trupe Olho da Rua (Santos/SP), diz que "mais de 90% das produções da região não obedecem a lógica do mercado (bilheteria), simplesmente porque o dito mercado já não reconhece nessas produções um valor de mercado, essa questão dos 40% é uma reivindicação das grandes produções mercadológicas normalmente ligadas a [
artistas] globais e à grande mídia burguesa." Caio ainda lembra de uma história: "O [
Oscar] Niemeyer, quando construiu o Teatro Municipal de Niterói, foi chamado pelo Governo no dia da inauguração pois tinha esquecido de construir uma bilheteria Ele contra-argumentou: 'Desde quando um teatro público precisa de bilheteria?' ".
Assim, na prática, quem mais ganha com a nova lei, são as grandes produções, que arrecadam horrores com bilheteria, além do patrocínio vindo de isenção fiscal que já recebem. A questão é que o investimento público em cultura acontece prioritariamente via renúncia fiscal, pela Lei Rouanet, por exemplo. Dessa forma, o patrocínio acontece segundo a lógica do mercado. O dinheiro é público, pois iria para o Estado caso não fosse investido em cultura, mas sai direto da mão do patrocinador privado - uma empresa - para a mão do produtor cultural. Isso leva a uma lógica de investimento em cultura como marketing. E marketing pressupõe retorno do investimento. Assim, quem fica com a verba são as grandes produções, os grande filmes, os grandes shows. Ora, já tratamos neste blog de casos como o Cirque du Soleil, por exemplo, que recebeu milhões de reais em patrocínio da Lei Rouanet e cobrava centenas de reais por um ingresso (veja
aqui).
Assim, a luta deve ser no caminho de um investimento público real. Com interesses meramente culturais e sociais. Sem ter que prestar favores a empresas privadas, grupos menores conseguiriam realizar projetos com menos dificuldade, até sem cobrar ingressos e, assim, artistas e público sairiam ganhando. Todos avançando e ninguém retrocedendo em seus direitos.
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Coletivos de movimento estudantil
questionam o monopólio da UNE
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A outra questão envolve o Movimento Estudantil. A UNE, há algum tempo não é reconhecida pelos estudantes, principalmente os mais envolvidos com o M.E., como "A" entidade nacional representativa dos estudantes. Há quem se espelhe em outra entidade nacional - a ANEL (Assembleia dos Estudantes - Livre) -, quem se organize dentro da UNE, mas fazendo oposição à sua direção, e quem se organize por fora das duas entidades. Há, claro, quem não se organize em nenhum espaço, e que provavelmente faria a carteirinha da UNE apenas para conseguir a meia-entrada, dando força para um comércio de carteirinhas, jogando de vez no buraco o papel de entidade de lutas que as entidade estudantis deveriam ter.
Assim, o novo Estatuto da Juventude, além de não garantir direitos de fato, ainda retrocede em direitos conquistados anteriormente. Quem realmente ganha são as grande produtoras e a UNE, entidade que, hoje, entre os estudantes é conhecida como o braço governista do Movimento Estudantil.
Abaixo, vídeo sobre o Fórum Luta pelo Financiamento Público da Cultura.