quinta-feira, 25 de julho de 2013

não se cale

A Gabrielle Ambar

quando vi
minha colega de sala
e companheira de classe
chorando diante de nós
diante de todas
e de mim
em silêncio

vi
vimos
que não eram suas as suas lágrimas
nem seu
nem nosso
o seu silêncio

suas lágrimas
eram de toda companheira
a quem
por todo o tempo

foi dito
que se cale
e dito
que seja frágil
e dito
que não se meta
e dito
que me escute

companheira
eu
que por tanto tempo me vali
de seu silêncio
do silêncio de toda
mulher
só posso pedir
que não se cale
que não me escute
que se meta sempre

há outras companheiras
lutando a sua
luta
chorando a sua (a nossa)
lágrima

elas falarão com você
elas questionarão com você
elas se meterão com você

e juntas
e juntos
nós mudaremos o mundo
falando da mudança
umas para os outros

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Financiamento da Cultura não se resolve com limite à meia-entrada [atualizado]

Hoje, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto do Estatuto da Juventude.

Por um lado, há sinais de avanços, como a extensão do benefício de meia entrada a jovens que estejam inseridos em programas de transferência de renda. Mas os avanços param por aí.

Do outro lado, estão uma série de ataques e/ou nuances que fazem deste projeto  o grande retrocesso travestido de progresso do ano. Em primeiro lugar, o projeto entende como juventude vulnerável somente aquela que está inserida nos programas assistenciais. Além de excluir jovens que tenham renda familiar que se enquadre em 2 salários mínimos mas por não se enquadrar em outro critério não estejam no Cadastro Único, ainda reforça a vontade do governo em controlar essa população amarrando a garantia de direitos à necessidade de estar catalogado pelo Estado.

Além disso, há duas restrições à concessão do direito para quem já o tinha: Agora há um limite de 40% dos ingressos como meia-entrada (que antes eram ilimitados) - após este limite, o ingresso inteiro poderá ser cobrado de estudantes, inclusive - e para ter direito como estudantes, necessariamente terá de se apresentar a carteirinha da UNE - União Nacional dos Estudantes.

O limite de 40% é reivindicação antiga de parte da categoria artística. Os altos preços do ingressos eram justificados pela quantidade de meias-entradas que tinham de ser praticadas. Contudo, muitos grupos - alguns que nem costumam cobrar ingressos, mas "passar o chapéu" - não compactuam com o limite. Caio Martinez, da Trupe Olho da Rua (Santos/SP), diz que "mais de 90% das produções da região não obedecem a lógica do mercado (bilheteria), simplesmente porque o dito mercado já não reconhece nessas produções um valor de mercado, essa questão dos 40% é uma reivindicação das grandes produções mercadológicas normalmente ligadas a [artistas] globais e à grande mídia burguesa." Caio ainda lembra de uma história: "O [Oscar] Niemeyer, quando construiu o Teatro Municipal de Niterói, foi chamado pelo Governo no dia da inauguração pois tinha esquecido de construir uma bilheteria Ele contra-argumentou: 'Desde quando um teatro público precisa de bilheteria?' ".

Assim, na prática, quem mais ganha com a nova lei, são as grandes produções, que arrecadam horrores com bilheteria, além do patrocínio vindo de isenção fiscal que já recebem. A questão é que o investimento público em cultura acontece prioritariamente via renúncia fiscal, pela Lei Rouanet, por exemplo. Dessa forma, o patrocínio acontece segundo a lógica do mercado. O dinheiro é público, pois iria para o Estado caso não fosse investido em cultura, mas sai direto da mão do patrocinador privado - uma empresa - para a mão do produtor cultural. Isso leva a uma lógica de investimento em cultura como marketing. E marketing pressupõe retorno do investimento. Assim, quem fica com a verba são as grandes produções, os grande filmes, os grandes shows. Ora, já tratamos neste blog de casos como o Cirque du Soleil, por exemplo, que recebeu milhões de reais em patrocínio da Lei Rouanet e cobrava centenas de reais por um ingresso (veja aqui).

Assim, a luta deve ser no caminho de um investimento público real. Com interesses meramente culturais e sociais. Sem ter que prestar favores a empresas privadas, grupos menores conseguiriam realizar projetos com menos dificuldade, até sem cobrar ingressos e, assim, artistas e público sairiam ganhando. Todos avançando e ninguém retrocedendo em seus direitos.

Coletivos de movimento estudantil 
questionam o monopólio da UNE
A outra questão envolve o Movimento Estudantil. A UNE, há algum tempo não é reconhecida pelos estudantes, principalmente os mais envolvidos com o M.E., como "A" entidade nacional representativa dos estudantes. Há quem se espelhe em outra entidade nacional - a ANEL (Assembleia dos Estudantes - Livre) -, quem se organize dentro da UNE, mas fazendo oposição à sua direção, e quem se organize por fora das duas entidades. Há, claro, quem não se organize em nenhum espaço, e que provavelmente faria a carteirinha da UNE apenas para conseguir a meia-entrada, dando força para um comércio de carteirinhas, jogando de vez no buraco o papel de entidade de lutas que as entidade estudantis deveriam ter.

Assim, o novo Estatuto da Juventude, além de não garantir direitos de fato, ainda retrocede em direitos conquistados anteriormente. Quem realmente ganha são as grande produtoras e a UNE, entidade que, hoje, entre os estudantes é conhecida como o braço governista do Movimento Estudantil.

Abaixo, vídeo sobre o Fórum Luta pelo Financiamento Público da Cultura.

terça-feira, 9 de julho de 2013

sobre viver com grandes felinos

há uma onça na sala

que me olha
e me come
se não olho
seus olhos

uma onça na sala
não deveria ser coisa familiar
neste bairro urbanizado
da baixada santista

mas lá está ela
pronta pra me devorar
talvez em partes
talvez só as melhores partes

e apesar disso
agora
acho bem pouco estranho
que ela esteja ali
descansando
e digerindo sua última vítima
com calma e serenidade
como sempre aparentam ser os grandes felinos

claro
que é preciso sempre olhá-la
reparar seus olhos
e seguir
avançar com algum cuidado
sem muito alarde

(pois onças
saltam)

segunda-feira, 8 de julho de 2013

poema vasto

deste poema
que acontece com chuva
e tremor

que acontece na ausência de coragem

o que ficará é a mucosa de minha garganta
arranhando
enquanto canto
canções uruguaias
que já foram mais fáceis de serem cantadas

pois eram mais jovens
as canções e minha voz

o que ficará
é cada gota gorda de chuva que cai
e as sei uma a uma
e saberia reconta-las de trás pra adiante
e em pares
e em trios

que este momento
não é um momento
mas uma imensidão

e se reprimo meus músculos
e se comprimo meu sofrimento
e se respiro saudades

é que não me basto
não me caibo em tanta 

mas me vasto

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Projeto "um poema por dia" chega ao fim.

Acabou. Foram publicados 366 poemas pelo projeto "um poema por dia".

A ideia é que isso fosse feito ao longo de um ano. contudo, a ideia se mostrou tola e boba, quando a necessidade de escrever rigorosamente um poema por dia afetou sensivelmente a qualidade do que era escrito. Não fazia sentido escrever por escrever, para manter uma meta contábil.

Assim, comecei a apenas numerar os poemas na ordem, na expectativa de que, em dado momento, houvesse 366 poemas, um para cada dia do ano, catalogados em ordem.

Ao longo desses poemas, surgiram muitos amores, a revolução proletária que teima em não acontecer, queridas e queridos companheiras e companheiros, as opressões que nos massacram, a minha cidade, meus filhos, as dores todas e as delícias também, a vida em torno de mim, a própria poesia.

A quem se preocupe mais, poemas seguirão sendo escritos. Talvez com menos afinco. Talvez com títulos mais originais. Talvez.

O que virá, daqui pra frente, não será contabilizado. É uma nova fase, com menos regras e mais imprevisão.

Île de la Cité

île de la Cité, Henry Cartier-Bresson

     A imagem de fundo dessa semana é  a fotografia de Henry Cartier-Bresson, "Île de la Cité".


     Bresson foi um dos maiores fotógrafos da história, considerado por muitos o fundador do fotojornalismo. Para Bresson, o momento exato era de suma importância:
"No movimento, há um momento quando os elementos em movimento estão em equilíbrio. A fotografia deve capturar esse momento em manter imóvel seu equilíbrio."
(Henry Cartier-Bresson)

poema no. 366 ou poema seco

tenho pouco a dizer nesta tarde
em que a vida acontece
mas não a vejo

meus amores todos não sabem que estou agora
num quarto
diante dum papel
querendo dizer o que só pode ser dito em dissonantes
ouvindo devaneios
e os desejando

a tarde acontece pra fora dos meus olhos e eu não estou lá

na praia
onde faz frio
onde o vento arrasta areia para a avenida
suponho que haja pessoas
poucas delas
pois em praia grande a praia é quase desabitada em dias úteis

(nos dias úteis
em que se tem de ser útil ao capital
é inútil querer o ócio que sopra à beira mar)

na zona três
onde não há mar
certamente há pessoas andando nas ruas e frequentando o comércio
que se mantém aquecido mesmo em dias frios
pensando em coisas como latas de sardinha e pão francês
pois pensar em mar
é coisa pra gente que mora perto do mar
e inútil

enquanto isso
enquanto pessoas desabitam a praia e habitam lojas de sapatos
enquanto meus amores não sabem de mim e de meu amor
enquanto não digo o indizível por falta de dissonância

a tarde segue fria e seca
como o inverno deve ser deste lado do mundo
o papel segue virgem
como a tarde para mim

talvez mais tarde
quando já não for tarde
quando a concretude iluminada da tarde
não for mais que um lampejo efêmero
se já não for tarde
quando a noite
vindo da áfrica
tocar a areia
e chegar até a av. afonso chaves

eu a beije
e ela a mim

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