Hoje, ao meu lado no ônibus que seguia pela orla da Ilha de São Vicente, sentou-se uma garota. Chegou depois de mim e foi embora antes que eu fosse. Tinha no máximo 15 anos (talvez 20, se fosse plena de juventude). Mas o que mais importava não era para onde ia, ou que idade tinha, mas que lá pelas tantas ela sacou da bolsa um caderno de poemas.
Minha colega de viagem era poeta! E tinha romanticamente um caderno de poemas onde os anotava (para que não os esquecesse). Quis pedir para ler um deles. Queria muito ler um de seus poemas. Mas tive vergonha. Então olhei de rabo de olho, e li apenas o título de um deles - "Pote de Ouro". E notei ainda que o poema, escrito com letras desenhadas e redondas, não tinha rasuras, não tinha rabiscos, estava ali, por inteiro anotado, de uma vez, do início ao fim. Queria muito lê-lo. Mas não tive coragem de abordar a poeta que relia seu poema e pensava nele.
Que poema seria? A poesia de minha juventude? A poesia ingênua e tola e jovem? A poesia sem forma, subjetiva e só? A poesia menos poesia e mais aventura?
Acontece que em dado momento ela guarda o poema, e lança mão do Grande Mentecapto. A julgar por sua leitura, não sei que poesia ela faz agora, mas julgo que aos 32 anos, ela será a poeta que nunca fui, nem nunca serei. Eu aos 15 lia Paulo Coelho (e a Veja, aos sábados). Com Fernando Sabino, ela está em melhores mãos.
E então ela se foi. Sem que lhe dissesse que fui feliz ao seu lado. Ao lado do que eu já fora. Sem dizer que algum dia, a vida se abrirá num abismo, e letras redondas e potes de ouro e Fernando Sabino já não bastarão. Sem dizer que um dia, a vida se tornará turva, e as desigualdades e as opressões se mostrarão, e então, ela precisará rabiscar os poemas, até haver mais rasuras que palavra pronta. E terá que abrir Wally Salomão e Leminski e Piva que tem hora que é preciso de algo forte, sem açúcar.
E então, quando poemas rasgarem seus olhos em dor, ela se lembrará daquilo que escreveu com 15 anos, terá vergonha mas sentirá saudade.
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