domingo, 28 de outubro de 2012

Porque telenovela não é arte

Isso não é uma obra de arte.
Nos últimos dias surgiu uma discussão sobre as inovações técnicas, estéticas e mesmo dramatúrgicas da novela "Avenida Brasil", da TV Globo. Os comentários partiam de sua qualidade enquanto obra de arte, passavam pelo álibi de ser uma obra de arte (para poder reproduzir livremente comportamentos opressores) e chegavam ao fato de, como uma obra de arte, atingir o objetivo de fomentar debates na sociedade civil. Pois bem. Para este blogueiro a discussão começa errada, pois parte do pressuposto de que telenovela é arte. Então vamos pensar nas quetões acima.

Em primeiro lugar, telenovela não é arte. Telenovela é produto cultural (este assunto já foi tratado neste blog aqui). Isso faz toda a diferença. Arte, como dizem Deleuze e Guattari, se mantem em pé sozinha. Ela existe em si. Embora ela se consume na presença do espectador, ela independe tanto deste quanto do artista. Ela está posta. Ela busca, muitas vezes uma desintaxe, uma inverossimilhança, pois sua concretude é alcançada na condição pré-adâmica da humanidade. Na arte, a linguagem explode.

Ora, é claro que "Avenida Brasil" não é isso. Nem telenovela nenhuma. Todas - todas - de "Roque Santeiro" a "Chiquititas" recorrem a uma estratégia muito disseminada na indústria - a pesquisa de opinião. Por que aquela embalagem de molho de tomate nos agrada tanto? Por que você diferencia o molho com manjericão do molho com queijo a metros de distância? Porque a indústria realiza pesquisas para descobrir qual embalagem funcionará antes de lançá-la no mercado. Com a telenovela é a mesma coisa. Mesmo antes de ser escrita, pesquisas são feitas para definir o tema, os atores, a cidade que servirá de locação. E após as filmagens iniciadas, mais pesquisas para se definir querm casa com quem, quem se dá bem, quem morre... Isso não é exatamente algo que exista em si.

Em segundo lugar, a arte pela arte não é álibi para a disseminação de comportamentos de opressão sexista. Assim, mesmo que partíssemos do pressuposto de que "Avenida Brasil" era uma obra de arte, ainda assim cabe uma discussão séria sobre a responsabilidade do artista em relação à sociedade em que se insere (Ferreira Gullar já levantava essa questão nos anos 70. Veja aqui). Mas, como telenovela não é arte, nem este frágil álibi lhe cabe. Assim, o que fica, é a indústria (cultural), reproduzindo comportamentos que mantenham a sociedade do modo em que ela se encontra e do modo em que ela vem lhe fornecendo lucro.

Em terceiro lugar, telenovela não é arte, é produto. Assim, ela não fomenta debates. Maurício de Sousa já disse algumas vezes que suas revistas não se metem em polêmica, pelo menos não de forma pioneira. Com telenovelas é a mesma coisa. Pense bem: se você tem uma barraca de picolés, e tem capital para investir em apenas um sabor, você fará picolés de limão ou de abobrinha? Empresas não arriscam. Empresas seguem o senso comum. O senso comum dá lucro, a crítica da prejuízo. Por isso, quando algum tema polêmico aparece numa telenovela, é que ele já não é mais tão polêmico. Claro, erros acontecem. E quando isso ocorre, de uma grande polêmica acontecer, a empresa, a indústria dá um jeito de consertar, como em "Torre de Babel", quando lá pelas tantas os autores explodiram um casal de mulheres que vinha causando asco no público.

Assim, de toda essa discussão, o que deve ficar é: telenovela não é arte. Qualquer discussão que se faça a respeito do tema, para este blogueiro, deve partir de outro pressuposto.

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