quinta-feira, 28 de novembro de 2013

poema laboral

(para Ivelize
que começou o poema)

a mão que trabalha
a coisa
e faz dela
o que uso
e se suja
e caleja
e sua
a sua concretude
é mão de trabalhadora
é mão de trabalhador

a mão que trabalha
a coisa
com muitas mãos
de todos os lugares
e faz dela uma abstração
um número
que vira outra coisa
(coisa que uso)
é mão de trabalhadora
é mão de trabalhador

mas a mão que garante
direito
e que por vezes
muitas vezes
descerra a mão que luta
é preciso que se encare
a verdade que é dura
não é mão que trabalha
por mais seja
uma mão que labuta

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

tudos

que ocorre
dentro de ti
o que vai embora
e o que fica de ti
quando todo filtro
abre mão de ti
quando a realidade está
diretamente em ti

que ocorre
dentro de ti
se tu não sabes
o que privar de ti
se tu te abres
e tudo entra em ti
se é de sonho a dureza
que sai de ti

(que ocorre
dentro de ti)

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Branca de Neve

Branca de Neve, João César Monteiro (2000)
     Anteontem, em dado momento de minha tarde, chega até mim, pelo celular, um trecho de Eduardo Galeano, do "Livro dos Abraços":
"Um homem dos vinhedos falou, em agonia, junto ao ouvido de Marcela. Antes de morrer revelou a ela o segredo:
- A uva – sussurrou – é feita de vinho.
Marcela Pérez-Silva me contou isto, e eu pensei: se a uva é feita de vinho, talvez a gente seja as palavras que contam o que a gente é."
     Ao mesmo tempo, ocorria diante de mim a experiência cinematográfica mais impressionante de que já tive notícia. Algo que não poderia imaginar que um dia veria sem que já o tivesse visto. Algo que não se explica com palavras, embora sejam palavras a sua matéria.
          Não sei descrever o que senti assistindo "Branca de Neve" (2000), filme de João César Monteiro. Costumo dizer, que em alguns momentos a vida escurece num êxtase, como se o sol se apagasse e o contato com o mundo exterior se interrompesse, ou só se desse por caminhos tortos. Pois ontem o mundo escureceu. Um filme sem imagens. Praticamente sem imagem alguma. Pouquíssimas imagens, e praticamente todas estáticas.
     Por algum tempo meu coração se apertou. Tive medo do que estava vendo. O medo do desconhecido. O ápice do estranhamento brechtiniano estava se realizando diante de mim, e eu o estava estranhando. Demorou para que eu conseguisse entender o que acontecia me distanciasse novamente e pudesse pensar sobre aquilo.

      "Talvez a gente seja as palavras que contam o que a gente é."


     Um filme só de palavras, foi o que fez João César Monteiro. Um filme sem imagens. Isso subverte a ideia mais imediata daquilo que se compreende por cinema - projeção de fotogramas de forma rápida e sucessiva de modo que se crie a ilusão de movimento. Não há movimento no filme de João César Monteiro. Ou há. Já que a película começa com uma errata, em que se pede desculpas ao espectador "aqui e agora  transformado em espetáculo". O espectador é retirado de sua zona de conforto e é intimado a realizar a obra. Logo me remeto à música de John Cage, 4'33'', que se resume a uma pausa de 4 minutos e 33 segundos. A música, segundo Cage, só se completa com os sons da plateia, tosses, pigarros, risos, vaias, o que for. O filme de Monteiro só se realiza com a ação intelectual do espectador.
     Está claro o que se busca, quando a personagem principal, Branca de Neve, diz em dado momento ao príncipe: “Não, diz, o que vês? Diz logo. Através dos teus lábios deduzirei o bonito desenho desse quadro. Se o pintasses, por certo atenuarias habilmente a intensidade da visão. Então, o que é? Em vez de olhar, prefiro escutar
     Ao mesmo tempo, Galeano me dizia pelo telefone que somos "as palavras que contam o que a gente é". Ora, não estou certo de que Monteiro tenha recorrido a Galenao para realizar sua obra (temo que não), mas é certo que elas se comunicam, como se comunicam as duas com 4'33''. A existência humana, enquanto interventora no mundo, sendo questionada e provocada a se realizar enquanto tal, enquanto ser que age.
     Contudo, não é somente por experimentos estéticos que se faz essa provocação em "Branca de Neve". A história também a estranhamos ao longo da "exibição". Já que, se num primeiro momento nos identificamos rapidamente com as personagens (Branca de Neve, Príncipe, Caçador, Rainha), logo percebemos que elas não se caracterizam da mesma forma que a construímos desde a infância, se mostrando mais complexas que o nível raso maniqueísta de "bem e mal".
     Enfim, não há muito como tentar explicar algo tão novo (embora já complete 13 anos). Ainda terei de ver "Branca de Neve" algumas vezes, e seguramente minha opinião se amadurecerá ao longo do tempo. Mas, por ora, o mundo segue escuro.

Abaixo, o filme completo.


   
   

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

sobre palavras ou poema impressionado por Eduardo Galeano, John Cage e João César Monteiro

1.
um filme
feito de palavras
mais nada

pessoas
feitas de palavras
mais nada

músicas
feitas de pessoas
mais nada

a paz
forjada na areia
mais nada

2.
(é certo que na espanha as pessoas não tem emprego e tem atacados os seus direitos como na dinamarca macas sejam acomodadas em corredores de hospitais da mesma forma que em catanduvas onde não há hospitais e as pessoas precisem ir à cidade vizinha para não morrerem no chão como acontece em lugares remotos do paquistão e do pará onde há um surto de dengue)

3.
se uvas são vinho
se pessoas são palavra

(se o vinho que entorpece as uvas
elas o são
se as palavras que dizem de mim
eu as sou)

quero ser
palavra de ordem


terça-feira, 19 de novembro de 2013

um bairro em chamas

(aos homens, mulheres e crianças
da V. Margarida e do México 70)


em algum lugar desta cidade
há um bairro operário
em chamas

bonecas vassouras homens
mulheres sapatos macacões
colheres crianças cadeiras

ardem
gritam

a circulação de bens mercadorias e capital
está prejudicada
na rodovia há barricadas
que queimam
que ardem

buzinas e sirenes
gritam por ações
enérgicas

em algum lugar deste estado
há alguém que espera
por

bonecas vassouras sapatos
macacões colheres cadeiras

mas deste lado do país
do lado de cá deste braço
de mar

homens mulheres crianças
ardem
gritam

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

poema amanhecido

às oito da manhã
quando drogarias
ainda não estão abertas
e minha cozinha cheira a café
quando meu cão ainda se encontra em sonhos
e assim estará até que a manhã acabe
quando o mar é todo de espuma
e crianças surfam juntas na arrebentação

a baixada santista não é mais que
um punhado de coisas
amanhecidas

fumaça se misturando
com a neblina em cubatão
cercas proibindo o abrigo
sob as passarelas em são vicente
urubus frequentando a zona três
atrás de alimento em praia grande
dinheiro público subvencionando
entidades filantrópicas no guarujá
assistentes sociais assistidos por policias
na remoção de gente suja das ruas de santos

às oito da manhã
quando em algum lugar do estado
água gelada desprende gás carbônico
sobre toalha de linho

a baixada santista
amanhece a paz
da manhã de ontem





quinta-feira, 14 de novembro de 2013

maracatu

(Aos trabalhadores terceirizados da Unifesp BS)

tambores tremendo
o chão
(o vão
entre minha cabeça e
o chão)

e tum
e pam
e tracaticatá
  (tracaticatá tracaticatá)

acontece que tracaticatá
e o preto e a preta
da outra ponta
que sempre tiveram de tremer
que sempre tiveram o que temer
bateram o pé

(mexeram os quadris
balangaram as mãos
e tiquetiquequeticá)

e se juntaram
timidamente sim
receosamente sim
mas sem tremer (de medo)

tremendo o coração
(tracaticatá tracaticatá)

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

sem dúvida

estou mais que certo
na tristeza é que conheço a poesia

mas se eu pudesse (sem pensar)
escolhia a alegria

desmedido

não sei
medir a alegria
temperá-la
com zelo
não grita-la
(sussurra-la
se muito)

não sei
medir o amor
guarda-lo
cá dentro
sob gosma
banha
e assunto

não sei
medir a tristeza
repousa-la
à sombra
não chora-la
não derrama-la
na roupa

não sei
de fato
medir nada
(sou desmedido)
não meço
não tempero
não cresço

sábado, 9 de novembro de 2013

noturno

a noite morta passa por mim
todo dia
toda hora

e por ela eu passo vivo
que é em pranto que se sabe vivo
que é pisando no coração
já em hematomas
fistulado
que se arrebenta
e tem se arrebentado
que a condição viva se faz lembrar

à noite
com o frescor que vem dos lados do mar pequeno
onde há pouco houve um incêndio
(e quem soube)
e quando as ideias queimam
a si
a mim
me sei vivo
que é em carbono
que a vida se organiza

e se rasgo meu peito
e reviro meu órgãos
e cavuco a cachola em busca de loucuras
é que eviscerado posso ver
e sentir
que o corpo pulsa sua matéria
que é sonho e frio
e medo

de estar só
de tanto que pergunto
de tanto que reclamo
de tanto que a noite acontece e a sei
e preciso dizer
que sei

e preciso saber que a sei
pois sei que a lei
é deixar só
os mortos

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

impaciência

por Isabel Keppler (no Blog "Outramento...")

inspirado nos trânsitos literais de são paulo
para os trânsitos metafóricos universais.


se é o amor que transita

ou se somos nós que transitamos
não sei - nem sei se quero saber.

existe esse vai e vem
e achei bonito o que eu li,
que nunca vem em vão.

se é ele - o tal amor - que vai
ou se somos nós que vamos
(ou será todos nós que em uma hora nos trombamos?)

não sei - nem sei se quero saber.
sei é que existe um baita trânsito
pra chegar até você.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

alegria

eu sei
parece até clichê
mas dá tanto prazer
conversar contigo

e te dizer que a vida é dor
e se ela dói em ti
é por isso que ela dói em mim
e por isso que luto
aqui onde ela dói
(em ti
em mim
em nós)

onde ela finda quando é noite
onde ela funde-se com a luta na periferia
onde ela nos fode todo o tempo
onde perdemos hoje
e perdemos ontem
mas onde um dia venceremos

me alegra ouvir teu pessimismo
não porque partilhe dele
mas porque ele é teu
como é teu o aperto no peito
de estar longe daquilo que mais te aflige
me alegra por saber que te afliges
com aquilo que é justo de se afligir

e de tanta alegria
que me dá saber de ti
e falar a ti
meu peito se esfarela de tristeza
por dentro da noite insone
e me angustio de todas as angústias
e me aflijo de todas as aflições
e choro todos os prantos

porque em ti me alegro
porque em ti me sei em luta

(contra a vida em dor
como ela se apresenta
contra dor em mim
como eu me apresento)

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Para a garota poeta que sentou-se ao meu lado e se foi

     Hoje, ao meu lado no ônibus que seguia pela orla da Ilha de São Vicente, sentou-se uma garota. Chegou depois de mim e foi embora antes que eu fosse. Tinha no máximo 15 anos (talvez 20, se fosse plena de juventude). Mas o que mais importava não era para onde ia, ou que idade tinha, mas que lá pelas tantas ela sacou da bolsa um caderno de poemas.
     Minha colega de viagem era poeta! E tinha romanticamente um caderno de poemas onde os anotava (para que não os esquecesse). Quis pedir para ler um deles. Queria muito ler um de seus poemas. Mas tive vergonha. Então olhei de rabo de olho, e li apenas o título de um deles - "Pote de Ouro". E notei ainda que o poema, escrito com letras desenhadas e redondas, não tinha rasuras, não tinha rabiscos, estava ali, por inteiro anotado, de uma vez, do início ao fim. Queria muito lê-lo. Mas não tive coragem de abordar a poeta que relia seu poema e pensava nele.
     Que poema seria? A poesia de minha juventude? A poesia ingênua e tola e jovem? A poesia sem forma, subjetiva e só? A poesia menos poesia e mais aventura?
     Acontece que em dado momento ela guarda o poema, e lança mão do Grande Mentecapto. A julgar por sua leitura, não sei que poesia ela faz agora, mas julgo que aos 32 anos, ela será a poeta que nunca fui, nem nunca serei. Eu aos 15 lia Paulo Coelho (e a Veja, aos sábados). Com Fernando Sabino, ela está em melhores mãos.
     E então ela se foi. Sem que lhe dissesse que fui feliz ao seu lado. Ao lado do que eu já fora. Sem dizer que algum dia, a vida se abrirá num abismo, e letras redondas e potes de ouro e Fernando Sabino já não bastarão. Sem dizer que um dia, a vida se tornará turva, e as desigualdades e as opressões se mostrarão, e então, ela precisará rabiscar os poemas, até haver mais rasuras que palavra pronta. E terá que abrir Wally Salomão e Leminski e Piva que tem hora que é preciso de algo forte, sem açúcar.
     E então, quando poemas rasgarem seus olhos em dor, ela se lembrará daquilo que escreveu com 15 anos, terá vergonha mas sentirá saudade.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

escrito convulso sobre o que pode ter sido a tarde

escolher viver em dor
à margem do prazer
como se uma tarde
fosse apenas o passar do sol sobre a minha cabeça
e nada mais

como se a tarde não fosse
os cães latindo apoiados nos portões
e as pessoas se assustando
nas calçadas

como se a tarde não fosse
crianças malcriadas cuspindo em transeuntes
de cima dos prédios

como se a tarde não fosse
amantes fazendo amor
em quartos de hotel
nas cozinhas
e nos becos

escolher viver à margem da tarde
e dos prazeres
à tarde

viver
intensamente
só o luto
de si


segunda-feira, 4 de novembro de 2013

poema trôpego

há um momento
em que a única alegria
é a embriaguez
que a cevada proporciona

neste momento
em que tolices serão ditas
em que todas as vergonhas
serão postas de lado
em que toda a alegria do mundo
estará num abraço
trôpego

a mente voará
dormente
em meio a uma
profusão de palavras
doces
confusas

uma imensa confusão
profusa
de devaneios
doces

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

pequenos amores ou caminho de coração desajustado

quando amei Maíra
o coração verteu-se em ira

quando amei Aline
botei o coração na vitrine

quando amei Emília
escondi o coração na mobília

quando amei Natália
pisei no coração com a sandália

quando amei Karina
joguei o coração na latrina

quando amei Satiko
o coração ficou rico

quando amei Renata
toquei o coração na serenata

quando amei Marília
levei o coração para Brasília

quando amei Thalita
requentei o coração na marmita

quando amei Suelen
levei o coração ao éden

quando amei Nayara
o coração virou caiçara

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