quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Poema Sujo

Ferreira Gullar escreveu seu Poema Sujo (1976) no exílio, na Argentina. Depois do golpe de Pinochet, no Chile, Gullar pensava que o fim de sua vida podia estar próximo. Escreve, então, o poema desabafo imaginando que este podia ser seu último poema.
A pedido de Vinicius de Moraes, lê o poema na casa de Augsto Boal. O poema é gravado e é executado diversas vezes na casa de amigos, em encontros, antes de ser publicado.
Abaixo o trecho inicial do poema.





turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro
menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma
                                   e tudo
                                   (ou quase)
um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu

tua gengiva igual a tua bocetinha que parecia sorrir entre as folhas de
banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta como 
uma boca do corpo (não como a tua boca de palavras) como uma entrada para
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos em ti

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