sábado, 15 de janeiro de 2011

Jô Soares - de algoz a atacado

José avistando um ser de outro mundo. 
Quer dizer, o outro.
Jô Soares é um piadista. É também o "homem mais inteligente do Brasil."
Everton de Oliveira é sociólogo. É também o irmão deste esboçador.
Este escreveu sobre aquele há alguns anos. Hoje, encontrei entre os escritos avulsos este esboço alheio. Vale muito a leitura.
   "Mais bárabaro é quem julga algo bárbaro" foi, não exatamente nestas palavras, a frase mais marcante de Claude Lévi-Strass para mim. Ouso completá-la (na verdade temo ser redundante), mais estranho é quem julga algo estranho. A frase cabe principalmente aos que se julgam acima de todos os preconceitos, como o senhor José. O senhor das seis línguas, escritor, diretor... enfim, de grande conhecimento. Nada deixaria mais feliz Durkheim que estudar este Senhor. A educação que recebe, os ensinos, a cultura o tornaram um homem civilizado. Isto é um ataque, não um estudo. Não explicarei os termos usados. 
    A educação fora do país educou muito bem este ser. ensinou-o a ser repugnante, desprezível e preconceituoso. Respeita as diferenças desde que estas se mantenham longe, de perto as trata como material exótico. Explica-se dizendo não passar de brincadeiras, mas é assim que nasce a intolerância. É fácil, na verdade, entendê-lo. A educação é a chave da coesão, já diria o citado Durkheim, não nego a dialética, não sou nada para negá-la, mas o que Jô faz com relação ao desconhecido, ao outro, é  fruto de sua moral, de sua ética, de sua educação. A educação mostrou-lhe o caminho Da Ciência, e não das ciências. Da Moral, e não das morais. Da Sociedade, e não das sociedades. Muito bem, José, és igual ao antropólogo dos Iroqueses.
   Ainda  há de vir o dia em que todo mundo será civilizado. É o sonho de José. Ensinar aos chinezes o amor aos cães, dar vacas aos hindus, fazer o índio votar. Afinal, este é um direito universal do ser humano, aquele que busca dentro de si, na ordem geométrica, a ideia verdadeira, a causa única de sua extensão e pensamento. Mas deixemos Amsterdã. Voltemos a São Paulo. Aqui, na terra que deixou saudades em Lévi-Strauss, um indivíduo ainda pensa em london, ou em New York, nas suas grifes e naquela aristrocacia moderna. Será que o Brasil seria melhor se tivesse votado no parlamentarismo? Não é este o caminho para a evolução? Afinal, dos Iroqueses até a University of Liverpool (sei que aqui misturei os antropólogos) não há um longo caminho? O ramo de barro não é senão de ouro sem sair da barbárie que prende um povo no atraso. Estas perguntas seriam muito bem respondidas por José, na verdade por qualquer âncora daquela TV, assim: sim, sim, sim. Espero que o leitor responda: não, não, não. A cegueira convicta destes intelectuais, ou aspiantes longínquos a tal, não os deixa ver a relação do observador com o objeto observado. O relativismo passa longe de José ou de Guilherme (aquele da noite).
José, mostrando que é inteligente assim, ó!
   Não preciso ir a Lévi-Strauss de novo para dar exemplo da ignorância de tipos como o aqui atacado. Evans-Pritchard, num exemplo sobre os Nuer, mostrou a relação estrutral de um indivíduo para com seu grupo social> Para tornar o exemplo mais claro: eu só me julgo estudante com relação a outra pessoa; com relação a outro estudante, me julgo estudante da UFSCar; com relação a outro estudante da UFSCar, me julgo aluno do CECH e assim sucessivamente. Sou ao mesmo tempo membro e não membro de um grupo social. Talvez este relativismo estrutural mostre o quanto a posição de um indivíduo, o quanto sua afirmação intelectual tem pouca importância em relação a outros indivíduos. Para um hindu, eu não sou nada, sou porco de espírito por comer carne de vaca, por dar valor ao dinheiro, por atribuir ao trabalho alguma dignidade etc. Se alguém que julga superior por falar seis idiomas disitintos, será visto como um atrasado por alguém que dê valor supremo às ideias, como os monges tibetanos. A risada de um josé, é tristeza para o cientista social. A valorização de um josé, é a prova de que se faz com pouco.
   A parte mais triste deste ataque é saber que este intelectualismo de mercado não é fato isolado. Mais triste é ver tipos tomados como grandes pensadores dizendo lugares comuns em rede nacional, um deles não deveria ter parado de fazer filmes (estava perto da genialidade lá, aqui está perto da piada (veja o esboço sobre este "grande pensador aqui")).Não quero dar uma visão funcionalista, estruturalista, marxista, seja o que for para este panfleto. Quem lê-lo tirará suas próprias conclusões. Este intelectualismo das representações é produto nacional. Num mundo onde a ética de Weber tomou proporções que talvez nem ele imaginasse, tempo para estudos dos fatos, dos tipos institucionais que movem o ser, não tem grande valor em rede nacional. Chamam o psicanalista para explicar o abandono do filho por uma mãe; o cineasta para explicar a corrupção; o jornalista para dar aval a uma pesquisa quantitativa. Afinal, para que procurar o cientista social para estudar os fenômenos sociais, se é que são fenômenos?A situação do nosso jô não é fato isolado. O público, num dia corriqueiro de trabalho não quer estudos sociológicos, antropológicos ou políticos sobre uma mãe que joga seu filho no rio. Precisa de ciência pílula. Chamam o psicanalista, se ela não tem nenhuma disfunção cerebral, eis a prova de que é fria, calculista e de que precisa ser presa. E o jô aprova. E mais, põe toda sua formação intelectual para tentar explicar a situação para o publico., que está pronto para o show e não para o estudo. A Imprensa confirma a opinião nacional, afirma as instituições e resgata a família. Eis a intelectualidade de que uma república católica como o Brasil precisa.
O amigo de José, perto da piada.
   Informação rápida e moral, aí a chave do nosso mistério. É este mais um ponto para entender nosso estudioso da técnica dedutiva. Na verdade, os dois se completam e não se realizam em separado. Não se pode afirmar a moral de um povo sem negar a de outro, e não se pode julgar de bárbara e estranha uma cultura sem afirmar a própria como modelo. Ciência pílula e intransigência cultural fazem a intelectualidade  de mercado brasileira. O senhor José Soares não foge à regra. Um quadro de seu programa noturno, na verdade o que me levou a escrever este pequeno ataque a ele, é a prova mais clara desta pequena teoria. Observa-se cidades brasileiras, que fogem à regra ocidental, e mostra-se suas "excentricidades". Excêntrico é o senhor José que se deu a este papel para agradar seu publico aspirante a intelectual da falsa ciência. Comparo este quadro do programa deste ser a uma risada satírica de intelectuais evolucionistas, enfeitados de abolicionistas, ao olharem uma imagem de uma festa de quilombo; pois claro que apenas riam, quando na verdade defendiam a causa abolicionista do fundo do coração. Negros, para estes, eram gente desde que longe dos salões; os brasileiros do interior são maravilhosos desde que não aspirem igualdade cultural.
   Para concluir, quadros como este de Jô Soares não só ampliam, mas criam preconceitos com relação a outras culturas brasileiras. Não me estenderei aqui ao preconceito lingüístico, pois também não estudo diretamente o assunto, nem a preconceitos sociais, econômicos etc. O preconceito cultural que este senhor está disseminando na forma de brincadeiras inocentes com "gente brasileira" já é brutal para o respeito geral para com culturas distintas. Um paulista, e isto eu digo com toda base que posso ter, não se sente em igual situação que um amazonense; um carioca não se sente em igual situação que um paulista; e Jô mostra isso muito bem. O problema é que ele não só mostra, como se põe, verdadeiramente, na posição do "objeto de estudo". Jô Soares é civilizado, é um membro de uma civilização. Que ele fique com sua cultura e olhe com relativismo as outras, como civilizações também.
   Para mais uma vez, em mais um atentado a um grande gênio, tentar completar a primeira frase deste panfleto, digo que mais bárbaro é aquele que toma sua cultura como modelo para as demais.

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