quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

poema de natal

enquanto em algum lugar
desta cidade à beira-mar
crianças são ofendidas
por jogarem seus limões
para o céu

eu choro
sob a água morna
de meu chuveiro elétrico
pensando em poemas
e em seus motivos

a luta de classes não me toca
nem a ninguém que esteja
sob água morna e ainda menos
se estiver quente e enrugando
as falanges

ao passo
em que todos os meus amores
dispersos pelo estado de são paulo
e minha solidão em meio a uma multidão
e comida e espumantes e presépios

me rasgam o peito
como balas violando corpos
num bairro operário

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

inadequação

o que me falta
é a inadequação

de fato

não apenas a imensidão inadequada
de sentir-me indesejado
inadequado
quando estou e não
ao teu lado

inadequar-me
a sério
dizer inadequações
sujas
feias
obscenas

ser completamente
impertinente
inconveniente

dizer tudo o que se faz necessário de ser dito
fazer tudo o que se faz necessário de ser feito
abrir tudo o que se faz necessário de ser aberto

apesar de
inadequado
insensato

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

ombro a ombro

a companheira isabel keppler
pensa que de si
não brota em mim
a poesia

acontece companheira

que a vida em nós é um poema
que foi escrito na luta

calejando a alma
de tanto desassombro
de tanto que seguimos
ombro a ombro

e trombamos nossos amores
que tombaram um a um
ao logo de tanta luta
e tanto calo
em tanta mão
cerrada
no alto

a esta altura de nossas vidas
em que nossos ombros não se tocam
tua chegada me toca por dentro
me arranca de mim
e me põe do avesso

um mauricio às avessas
um mauricio em prosa

uma novela

um novelo que não
se desemaranha

sábado, 21 de dezembro de 2013

poema desimportante

duzentos
duzentos mil
duzentos mil milhões de poemas

que sejam

não são aquilo que há
de mim
sobre ti

mas

o encantamento sapiente
que me faz saber-te
encanto enquanto
um instante
(um ano
duzentos mil milhões de anos)
se demora entre nós

o saber-me nuvem
pronto pra chover
pra ser um aguaceiro
um salseiro
um pé d'água
de mágoas
se massas quentes de ti se chocam
contra mim

o estar sempre pronto
a dizer sim
a ouvir não
a lançar mão
de quaisquer advérbios
que intensamente me ponham em dúvida
que este é o modo que se afirmam
nossos tempos

o calor que se dá no escuro
em frente à água fria
que chega à bacia de santos
pelo oceano atlântico
e que não chega
a tocar nossos pés

(não é versar meus versos
que te levará a saber
o que te faz em mim
é versar o meu anverso)

sábado, 14 de dezembro de 2013

poema noroeste

que
     amor é este
                este
         noroeste

que me arrasta
mas não basta
para conter
esta vasta

sabedoria
de
maresia

(amar-se-ia
amaresíamos)

este amar o mar
tanto
de marejar a vista
(mar à vista)

(me visita o cheiro salobre
do a
mar)

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

canção incompleta ou poema brega

se você passa por mim
eu desejo que aquele momento
não tenha mais fim

se você me diz bom dia
o meu dia fica esvaziado
de melancolia

se você me abraça forte
de repente eu me sinto
a última bolacha do pacote

mas se você diz
eu te amo
a vida fica em segundo plano
o sol se escurece
o céu desaba
e eu nem ligo
se o mundo acaba

porque se for pra morrer
que seja sendo amado por você

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

poema impresso

à tarde
(a tarde
que teima em se demorar
vazia de afetos e
feições)
quando escrevo
sei de você
  e de mim

sei o que só acontece
quando estou pleno de poemas
quando estou pleno de
loucuras verbais
                              de
loucas línguas que me
libidinam

e na noite
que avança na madrugada
de olhos trêmulos e
palpitantes
após estar redundante de
amores e
redondilhas

me imprimo no mundo
pra ver se
me imprimo em você

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

amanticídio

como faço pra suicidar-te
por dentro
de mim

como faço
pra cegar teus olhos
cegos
pra mim

teus olhos que não me veem
que não me vem
e não me olham

olhos que não olham
meus olhos
como os meus
olham pra ti

(pra teus olhos
pra teu corpo de pano
que balança

pra teus seios
teus dois seios
que em sonho
os sei)

como faço pra assassinar-
me dentro de ti

fazer teus olhos
desviarem sempre
para o mesmo lado
longe de meu sonho

que um sonho
se encerra
quando amanhece

mas eu amanheci
e tu segues
cega vivendo em mim

domingo, 1 de dezembro de 2013

poesia escrita pra dizer o quê

“Se insistirem para que eu diga porque o amava,
sinto que o não saberia dizer senão respondendo: 
porque era ele; porque era eu.” 
(Montaigne) 

sinto não saber mais dizer
o que há de ser dito

há de ser dito
o quê
(que a vida nos une?)

a vida nos une
assim
explodindo em mim e me moendo
e em você
algébrica
?

o que acontece
é que entre
mim e você
há desrazões
inefáveis
inauditas

é que entra
em mim mil vocês
e no fim
não há razão na minha vida
só há razão pro meu amor

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

poema laboral

(para Ivelize
que começou o poema)

a mão que trabalha
a coisa
e faz dela
o que uso
e se suja
e caleja
e sua
a sua concretude
é mão de trabalhadora
é mão de trabalhador

a mão que trabalha
a coisa
com muitas mãos
de todos os lugares
e faz dela uma abstração
um número
que vira outra coisa
(coisa que uso)
é mão de trabalhadora
é mão de trabalhador

mas a mão que garante
direito
e que por vezes
muitas vezes
descerra a mão que luta
é preciso que se encare
a verdade que é dura
não é mão que trabalha
por mais seja
uma mão que labuta

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

tudos

que ocorre
dentro de ti
o que vai embora
e o que fica de ti
quando todo filtro
abre mão de ti
quando a realidade está
diretamente em ti

que ocorre
dentro de ti
se tu não sabes
o que privar de ti
se tu te abres
e tudo entra em ti
se é de sonho a dureza
que sai de ti

(que ocorre
dentro de ti)

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Branca de Neve

Branca de Neve, João César Monteiro (2000)
     Anteontem, em dado momento de minha tarde, chega até mim, pelo celular, um trecho de Eduardo Galeano, do "Livro dos Abraços":
"Um homem dos vinhedos falou, em agonia, junto ao ouvido de Marcela. Antes de morrer revelou a ela o segredo:
- A uva – sussurrou – é feita de vinho.
Marcela Pérez-Silva me contou isto, e eu pensei: se a uva é feita de vinho, talvez a gente seja as palavras que contam o que a gente é."
     Ao mesmo tempo, ocorria diante de mim a experiência cinematográfica mais impressionante de que já tive notícia. Algo que não poderia imaginar que um dia veria sem que já o tivesse visto. Algo que não se explica com palavras, embora sejam palavras a sua matéria.
          Não sei descrever o que senti assistindo "Branca de Neve" (2000), filme de João César Monteiro. Costumo dizer, que em alguns momentos a vida escurece num êxtase, como se o sol se apagasse e o contato com o mundo exterior se interrompesse, ou só se desse por caminhos tortos. Pois ontem o mundo escureceu. Um filme sem imagens. Praticamente sem imagem alguma. Pouquíssimas imagens, e praticamente todas estáticas.
     Por algum tempo meu coração se apertou. Tive medo do que estava vendo. O medo do desconhecido. O ápice do estranhamento brechtiniano estava se realizando diante de mim, e eu o estava estranhando. Demorou para que eu conseguisse entender o que acontecia me distanciasse novamente e pudesse pensar sobre aquilo.

      "Talvez a gente seja as palavras que contam o que a gente é."


     Um filme só de palavras, foi o que fez João César Monteiro. Um filme sem imagens. Isso subverte a ideia mais imediata daquilo que se compreende por cinema - projeção de fotogramas de forma rápida e sucessiva de modo que se crie a ilusão de movimento. Não há movimento no filme de João César Monteiro. Ou há. Já que a película começa com uma errata, em que se pede desculpas ao espectador "aqui e agora  transformado em espetáculo". O espectador é retirado de sua zona de conforto e é intimado a realizar a obra. Logo me remeto à música de John Cage, 4'33'', que se resume a uma pausa de 4 minutos e 33 segundos. A música, segundo Cage, só se completa com os sons da plateia, tosses, pigarros, risos, vaias, o que for. O filme de Monteiro só se realiza com a ação intelectual do espectador.
     Está claro o que se busca, quando a personagem principal, Branca de Neve, diz em dado momento ao príncipe: “Não, diz, o que vês? Diz logo. Através dos teus lábios deduzirei o bonito desenho desse quadro. Se o pintasses, por certo atenuarias habilmente a intensidade da visão. Então, o que é? Em vez de olhar, prefiro escutar
     Ao mesmo tempo, Galeano me dizia pelo telefone que somos "as palavras que contam o que a gente é". Ora, não estou certo de que Monteiro tenha recorrido a Galenao para realizar sua obra (temo que não), mas é certo que elas se comunicam, como se comunicam as duas com 4'33''. A existência humana, enquanto interventora no mundo, sendo questionada e provocada a se realizar enquanto tal, enquanto ser que age.
     Contudo, não é somente por experimentos estéticos que se faz essa provocação em "Branca de Neve". A história também a estranhamos ao longo da "exibição". Já que, se num primeiro momento nos identificamos rapidamente com as personagens (Branca de Neve, Príncipe, Caçador, Rainha), logo percebemos que elas não se caracterizam da mesma forma que a construímos desde a infância, se mostrando mais complexas que o nível raso maniqueísta de "bem e mal".
     Enfim, não há muito como tentar explicar algo tão novo (embora já complete 13 anos). Ainda terei de ver "Branca de Neve" algumas vezes, e seguramente minha opinião se amadurecerá ao longo do tempo. Mas, por ora, o mundo segue escuro.

Abaixo, o filme completo.


   
   

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

sobre palavras ou poema impressionado por Eduardo Galeano, John Cage e João César Monteiro

1.
um filme
feito de palavras
mais nada

pessoas
feitas de palavras
mais nada

músicas
feitas de pessoas
mais nada

a paz
forjada na areia
mais nada

2.
(é certo que na espanha as pessoas não tem emprego e tem atacados os seus direitos como na dinamarca macas sejam acomodadas em corredores de hospitais da mesma forma que em catanduvas onde não há hospitais e as pessoas precisem ir à cidade vizinha para não morrerem no chão como acontece em lugares remotos do paquistão e do pará onde há um surto de dengue)

3.
se uvas são vinho
se pessoas são palavra

(se o vinho que entorpece as uvas
elas o são
se as palavras que dizem de mim
eu as sou)

quero ser
palavra de ordem


terça-feira, 19 de novembro de 2013

um bairro em chamas

(aos homens, mulheres e crianças
da V. Margarida e do México 70)


em algum lugar desta cidade
há um bairro operário
em chamas

bonecas vassouras homens
mulheres sapatos macacões
colheres crianças cadeiras

ardem
gritam

a circulação de bens mercadorias e capital
está prejudicada
na rodovia há barricadas
que queimam
que ardem

buzinas e sirenes
gritam por ações
enérgicas

em algum lugar deste estado
há alguém que espera
por

bonecas vassouras sapatos
macacões colheres cadeiras

mas deste lado do país
do lado de cá deste braço
de mar

homens mulheres crianças
ardem
gritam

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

poema amanhecido

às oito da manhã
quando drogarias
ainda não estão abertas
e minha cozinha cheira a café
quando meu cão ainda se encontra em sonhos
e assim estará até que a manhã acabe
quando o mar é todo de espuma
e crianças surfam juntas na arrebentação

a baixada santista não é mais que
um punhado de coisas
amanhecidas

fumaça se misturando
com a neblina em cubatão
cercas proibindo o abrigo
sob as passarelas em são vicente
urubus frequentando a zona três
atrás de alimento em praia grande
dinheiro público subvencionando
entidades filantrópicas no guarujá
assistentes sociais assistidos por policias
na remoção de gente suja das ruas de santos

às oito da manhã
quando em algum lugar do estado
água gelada desprende gás carbônico
sobre toalha de linho

a baixada santista
amanhece a paz
da manhã de ontem





quinta-feira, 14 de novembro de 2013

maracatu

(Aos trabalhadores terceirizados da Unifesp BS)

tambores tremendo
o chão
(o vão
entre minha cabeça e
o chão)

e tum
e pam
e tracaticatá
  (tracaticatá tracaticatá)

acontece que tracaticatá
e o preto e a preta
da outra ponta
que sempre tiveram de tremer
que sempre tiveram o que temer
bateram o pé

(mexeram os quadris
balangaram as mãos
e tiquetiquequeticá)

e se juntaram
timidamente sim
receosamente sim
mas sem tremer (de medo)

tremendo o coração
(tracaticatá tracaticatá)

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

sem dúvida

estou mais que certo
na tristeza é que conheço a poesia

mas se eu pudesse (sem pensar)
escolhia a alegria

desmedido

não sei
medir a alegria
temperá-la
com zelo
não grita-la
(sussurra-la
se muito)

não sei
medir o amor
guarda-lo
cá dentro
sob gosma
banha
e assunto

não sei
medir a tristeza
repousa-la
à sombra
não chora-la
não derrama-la
na roupa

não sei
de fato
medir nada
(sou desmedido)
não meço
não tempero
não cresço

sábado, 9 de novembro de 2013

noturno

a noite morta passa por mim
todo dia
toda hora

e por ela eu passo vivo
que é em pranto que se sabe vivo
que é pisando no coração
já em hematomas
fistulado
que se arrebenta
e tem se arrebentado
que a condição viva se faz lembrar

à noite
com o frescor que vem dos lados do mar pequeno
onde há pouco houve um incêndio
(e quem soube)
e quando as ideias queimam
a si
a mim
me sei vivo
que é em carbono
que a vida se organiza

e se rasgo meu peito
e reviro meu órgãos
e cavuco a cachola em busca de loucuras
é que eviscerado posso ver
e sentir
que o corpo pulsa sua matéria
que é sonho e frio
e medo

de estar só
de tanto que pergunto
de tanto que reclamo
de tanto que a noite acontece e a sei
e preciso dizer
que sei

e preciso saber que a sei
pois sei que a lei
é deixar só
os mortos

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

impaciência

por Isabel Keppler (no Blog "Outramento...")

inspirado nos trânsitos literais de são paulo
para os trânsitos metafóricos universais.


se é o amor que transita

ou se somos nós que transitamos
não sei - nem sei se quero saber.

existe esse vai e vem
e achei bonito o que eu li,
que nunca vem em vão.

se é ele - o tal amor - que vai
ou se somos nós que vamos
(ou será todos nós que em uma hora nos trombamos?)

não sei - nem sei se quero saber.
sei é que existe um baita trânsito
pra chegar até você.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

alegria

eu sei
parece até clichê
mas dá tanto prazer
conversar contigo

e te dizer que a vida é dor
e se ela dói em ti
é por isso que ela dói em mim
e por isso que luto
aqui onde ela dói
(em ti
em mim
em nós)

onde ela finda quando é noite
onde ela funde-se com a luta na periferia
onde ela nos fode todo o tempo
onde perdemos hoje
e perdemos ontem
mas onde um dia venceremos

me alegra ouvir teu pessimismo
não porque partilhe dele
mas porque ele é teu
como é teu o aperto no peito
de estar longe daquilo que mais te aflige
me alegra por saber que te afliges
com aquilo que é justo de se afligir

e de tanta alegria
que me dá saber de ti
e falar a ti
meu peito se esfarela de tristeza
por dentro da noite insone
e me angustio de todas as angústias
e me aflijo de todas as aflições
e choro todos os prantos

porque em ti me alegro
porque em ti me sei em luta

(contra a vida em dor
como ela se apresenta
contra dor em mim
como eu me apresento)

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Para a garota poeta que sentou-se ao meu lado e se foi

     Hoje, ao meu lado no ônibus que seguia pela orla da Ilha de São Vicente, sentou-se uma garota. Chegou depois de mim e foi embora antes que eu fosse. Tinha no máximo 15 anos (talvez 20, se fosse plena de juventude). Mas o que mais importava não era para onde ia, ou que idade tinha, mas que lá pelas tantas ela sacou da bolsa um caderno de poemas.
     Minha colega de viagem era poeta! E tinha romanticamente um caderno de poemas onde os anotava (para que não os esquecesse). Quis pedir para ler um deles. Queria muito ler um de seus poemas. Mas tive vergonha. Então olhei de rabo de olho, e li apenas o título de um deles - "Pote de Ouro". E notei ainda que o poema, escrito com letras desenhadas e redondas, não tinha rasuras, não tinha rabiscos, estava ali, por inteiro anotado, de uma vez, do início ao fim. Queria muito lê-lo. Mas não tive coragem de abordar a poeta que relia seu poema e pensava nele.
     Que poema seria? A poesia de minha juventude? A poesia ingênua e tola e jovem? A poesia sem forma, subjetiva e só? A poesia menos poesia e mais aventura?
     Acontece que em dado momento ela guarda o poema, e lança mão do Grande Mentecapto. A julgar por sua leitura, não sei que poesia ela faz agora, mas julgo que aos 32 anos, ela será a poeta que nunca fui, nem nunca serei. Eu aos 15 lia Paulo Coelho (e a Veja, aos sábados). Com Fernando Sabino, ela está em melhores mãos.
     E então ela se foi. Sem que lhe dissesse que fui feliz ao seu lado. Ao lado do que eu já fora. Sem dizer que algum dia, a vida se abrirá num abismo, e letras redondas e potes de ouro e Fernando Sabino já não bastarão. Sem dizer que um dia, a vida se tornará turva, e as desigualdades e as opressões se mostrarão, e então, ela precisará rabiscar os poemas, até haver mais rasuras que palavra pronta. E terá que abrir Wally Salomão e Leminski e Piva que tem hora que é preciso de algo forte, sem açúcar.
     E então, quando poemas rasgarem seus olhos em dor, ela se lembrará daquilo que escreveu com 15 anos, terá vergonha mas sentirá saudade.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

escrito convulso sobre o que pode ter sido a tarde

escolher viver em dor
à margem do prazer
como se uma tarde
fosse apenas o passar do sol sobre a minha cabeça
e nada mais

como se a tarde não fosse
os cães latindo apoiados nos portões
e as pessoas se assustando
nas calçadas

como se a tarde não fosse
crianças malcriadas cuspindo em transeuntes
de cima dos prédios

como se a tarde não fosse
amantes fazendo amor
em quartos de hotel
nas cozinhas
e nos becos

escolher viver à margem da tarde
e dos prazeres
à tarde

viver
intensamente
só o luto
de si


segunda-feira, 4 de novembro de 2013

poema trôpego

há um momento
em que a única alegria
é a embriaguez
que a cevada proporciona

neste momento
em que tolices serão ditas
em que todas as vergonhas
serão postas de lado
em que toda a alegria do mundo
estará num abraço
trôpego

a mente voará
dormente
em meio a uma
profusão de palavras
doces
confusas

uma imensa confusão
profusa
de devaneios
doces

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

pequenos amores ou caminho de coração desajustado

quando amei Maíra
o coração verteu-se em ira

quando amei Aline
botei o coração na vitrine

quando amei Emília
escondi o coração na mobília

quando amei Natália
pisei no coração com a sandália

quando amei Karina
joguei o coração na latrina

quando amei Satiko
o coração ficou rico

quando amei Renata
toquei o coração na serenata

quando amei Marília
levei o coração para Brasília

quando amei Thalita
requentei o coração na marmita

quando amei Suelen
levei o coração ao éden

quando amei Nayara
o coração virou caiçara

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Chega dessa lenga lenga de "falar bem"

     O assunto "preconceito linguístico" já foi tratado neste blog (veja aqui). Mas sempre me deparo com algum grande absurdo nas redes sociais e nas ruas. Então, vamos falar um pouco mais sobre isso.
     As línguas mudam ao longo do tempo. É o caso clássico do "vossa mercê" que virou "você".
     Mas o que faz uma língua mudar? São transgressões e rebeldia. Em todos os tempos as classes dominantes usaram a língua como uma das formas de dominação. Nas sociedades antigas, somente os homens do clero, escribas, senadores etc. podiam aprender a ler. Hoje, somente a burguesia e as camadas médias tem acesso a educação de qualidade.
     Isso garante que fiquem sob domínio das das classes dominantes as normas de prestígio da língua - que geralmente são aquelas que mais se aproximam da norma culta, a forma gramatical.
     Essas classes farão de tudo para que a língua não mude. Ou permaneça o máximo de tempo possível como está, para que, assim, possa ser por mais tempo um instrumento de dominação - tanto psicológico quanto formal, por meio do documentos jurídicos, por exemplo. Lançarão manuais de "como escrever bem", publicarão reportagens sobre a importância de se "falar bem", farão programas de humor em que a piada é o uso de uma forma desprestigiada da língua (do tipo "seu Creysson").
     Mas acontece que a língua ocorre nas ruas, não nas salas dos gramáticos. A língua na gramática só serve à elite. A das ruas, às massas. E é na língua que as massas mostram sua força, pois a elite não consegue, nem nunca conseguiu, deter o avanço da língua das massas sobre as formas prestigiadas por si. Mesmo quando no Brasil instituiu-se o português como língua oficial em detrimento de línguas indígenas, o resultado foi um "português brasileiro", cheio de "nhén nhén nhén" e "lenga lengas", de arapucas e cataporas, maritacas, pererecas etc.
     Não se propõe aqui que a classe trabalhadora não precise ter acesso à norma culta da língua, pelo contrário. Mas que se deva ter respeito pelas variações regionais e de classe da língua, sem hierarquizar as variantes linguísticas em formas "melhores ou piores".
     Enfim, pense bem antes de reproduzir piadas a respeito da forma linguística adotada por este ou aquele grupo, pois você pode estar reproduzindo aquilo que há de mais conservador nas elites deste país.
     Dica boa (e clássica) de livro a este respeito é "Preconceito Linguístico - o que é, como de faz", de Marcos Bagno.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

amor militante

tenho vandalizado
janelas e
corações

cacos de átrios
e vidro
me ferem
me cortam

corto o ar
com
palavras de ordem
e poemas

grito dor
e metáforas
porque
vai

na linha de frente
o meu amor em luto
o meu amor que luta
o meu amor

militante

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

parto

se eu pudesse
te paria às avessas

te poria pra dentro
junto com visgo
e berro

te amarrava pelo umbigo
e te alimentava
com aminoácidos
tenros e ternos

mas a vida
ocorre fora de mim

a vida se dá
nas dores e nas marcas da luta
se dá nas ruas
nos telhados
sob fumaça e estrelas

se dá em filas de cartórios
de farmácias
em corredores de hospitais

se dá nos chuveiros da orla
e nas palafitas
onde se vive sobre a merda

a vida se dá
fora de mim
fora de nós

por isso
não te quero
em mim

nem te quero
natimorta

te quero
limpa
só por hoje

que hoje

a vida segue

domingo, 22 de setembro de 2013

poema à minha primeira namorada

A Maíra Viscaya

quando eu não tinha onze anos
me apaixonei dolorosamente
como não poderia deixar de ser
quando não se tem onze anos
que sejam
por maíra

comprei chocolates
comprei suvenires
comprei flores
comprei e comprei

e o capital não me ajudava
a conquistar minha primeira namorada

lancei mão de todos os artifícios
de que lançam mão os homens apaixonados

cortejei
galanteei
dancei
disse palavras doces

maíra não sabia ainda
mas não era de ser cortejada
nem lhe interessava o patriarcado

e assim
maíra
nunca foi minha namorada
senão na minha cabeça

hoje
vejo pouco quase nada
maíra

e maíra
vê pouco quase nada
mauricio

e no fim das contas
descobrimos em comum
não o amor
não a paixão
não os filhos
nem um cão
mas nossa classe

e ela
antes de mim
partiu em luta

e eu
depois dela
parti em luta

maíra e mauricio
que nunca foram namorada e namorado
tornaram-se
companheira
companheiro

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

carta aberta para albanett

albanett pensa que sou poeta
e assim
sente falta de que eu pense
poemas

e os escreva

acontece albanett
que não possuo a poesia
mais que possuo
angústias e dores
mais que as trabalho e as forjo no calor das ideias

quando escrevo
escrevo angústias
e as sinto
mais que penso

quando escrevo
escrevo dores
e as sinto
mais que penso

mas quando escrevo
trabalho o papel dolorido
e o sinto
mais que escrevo

nos últimos dias
nas últimas semanas
dores e angústias
as tive todas

mas poesia
ainda que dura
não muda a vida
como a luta muda

sábado, 31 de agosto de 2013

poema em dor

dias difíceis
para quem luta

dias em que sabemos
haverá rompimentos
de barragens
de artérias
de ligamentos em fuga

na conselheiro nébias
alguém chora porque foi assediada
na silva jardim
alguém chora a morte de um filho
na silva jardim (numa outra altura)
alguém chora ouvindo um companheiro
na conselheiro nébias (na mesma altura)
alguém chora porque foi abandonada por uma companheira

(sob a forma de chuva
tenho me derramado sobre
camaradas
me diluído em afetos e dores
e me escoado

aquoso
e
lacrimoso)

sábado, 3 de agosto de 2013

poema no assassinato de um trabalhador

a Ricardo Ferreira Gama

1.
pouco nos falamos
enquanto limpavas
o chão em que eu
pisava
enquanto puxavas com o rodo
a água da chuva sob a chuva

enquanto punhas em ordem

as cadeiras
as carteiras
os carpetes

para eu passar

mas foste tu quem passou

2.
pouco nos falamos

bom dia boa tarde
oi até mais
obrigado disponha
etc etc

no dia em que tivemos assunto
ele era tu
e logo
o assunto morreu

3.
talvez faças pouca falta

as cadeiras
as carteiras
os carpetes

seguirão arrumados
e além do mais
teu trabalho não gerava
mais valia

talvez em muitos
tua morte não produzirá saudade

(há quem não note a mão
que produz o produto
até que ele falhe ou falte

e teu trabalho
persistirá a ti)

4.
infelizmente não creio em
vida após a morte
mas crê
haverá luta na tua morte

para que mude o estado das coisas
para que chegue o dia
em que o estado não mate

ao contrário
morra

e aí
tu não serás morto
(nunca mais)

quinta-feira, 25 de julho de 2013

não se cale

A Gabrielle Ambar

quando vi
minha colega de sala
e companheira de classe
chorando diante de nós
diante de todas
e de mim
em silêncio

vi
vimos
que não eram suas as suas lágrimas
nem seu
nem nosso
o seu silêncio

suas lágrimas
eram de toda companheira
a quem
por todo o tempo

foi dito
que se cale
e dito
que seja frágil
e dito
que não se meta
e dito
que me escute

companheira
eu
que por tanto tempo me vali
de seu silêncio
do silêncio de toda
mulher
só posso pedir
que não se cale
que não me escute
que se meta sempre

há outras companheiras
lutando a sua
luta
chorando a sua (a nossa)
lágrima

elas falarão com você
elas questionarão com você
elas se meterão com você

e juntas
e juntos
nós mudaremos o mundo
falando da mudança
umas para os outros

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Financiamento da Cultura não se resolve com limite à meia-entrada [atualizado]

Hoje, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto do Estatuto da Juventude.

Por um lado, há sinais de avanços, como a extensão do benefício de meia entrada a jovens que estejam inseridos em programas de transferência de renda. Mas os avanços param por aí.

Do outro lado, estão uma série de ataques e/ou nuances que fazem deste projeto  o grande retrocesso travestido de progresso do ano. Em primeiro lugar, o projeto entende como juventude vulnerável somente aquela que está inserida nos programas assistenciais. Além de excluir jovens que tenham renda familiar que se enquadre em 2 salários mínimos mas por não se enquadrar em outro critério não estejam no Cadastro Único, ainda reforça a vontade do governo em controlar essa população amarrando a garantia de direitos à necessidade de estar catalogado pelo Estado.

Além disso, há duas restrições à concessão do direito para quem já o tinha: Agora há um limite de 40% dos ingressos como meia-entrada (que antes eram ilimitados) - após este limite, o ingresso inteiro poderá ser cobrado de estudantes, inclusive - e para ter direito como estudantes, necessariamente terá de se apresentar a carteirinha da UNE - União Nacional dos Estudantes.

O limite de 40% é reivindicação antiga de parte da categoria artística. Os altos preços do ingressos eram justificados pela quantidade de meias-entradas que tinham de ser praticadas. Contudo, muitos grupos - alguns que nem costumam cobrar ingressos, mas "passar o chapéu" - não compactuam com o limite. Caio Martinez, da Trupe Olho da Rua (Santos/SP), diz que "mais de 90% das produções da região não obedecem a lógica do mercado (bilheteria), simplesmente porque o dito mercado já não reconhece nessas produções um valor de mercado, essa questão dos 40% é uma reivindicação das grandes produções mercadológicas normalmente ligadas a [artistas] globais e à grande mídia burguesa." Caio ainda lembra de uma história: "O [Oscar] Niemeyer, quando construiu o Teatro Municipal de Niterói, foi chamado pelo Governo no dia da inauguração pois tinha esquecido de construir uma bilheteria Ele contra-argumentou: 'Desde quando um teatro público precisa de bilheteria?' ".

Assim, na prática, quem mais ganha com a nova lei, são as grandes produções, que arrecadam horrores com bilheteria, além do patrocínio vindo de isenção fiscal que já recebem. A questão é que o investimento público em cultura acontece prioritariamente via renúncia fiscal, pela Lei Rouanet, por exemplo. Dessa forma, o patrocínio acontece segundo a lógica do mercado. O dinheiro é público, pois iria para o Estado caso não fosse investido em cultura, mas sai direto da mão do patrocinador privado - uma empresa - para a mão do produtor cultural. Isso leva a uma lógica de investimento em cultura como marketing. E marketing pressupõe retorno do investimento. Assim, quem fica com a verba são as grandes produções, os grande filmes, os grandes shows. Ora, já tratamos neste blog de casos como o Cirque du Soleil, por exemplo, que recebeu milhões de reais em patrocínio da Lei Rouanet e cobrava centenas de reais por um ingresso (veja aqui).

Assim, a luta deve ser no caminho de um investimento público real. Com interesses meramente culturais e sociais. Sem ter que prestar favores a empresas privadas, grupos menores conseguiriam realizar projetos com menos dificuldade, até sem cobrar ingressos e, assim, artistas e público sairiam ganhando. Todos avançando e ninguém retrocedendo em seus direitos.

Coletivos de movimento estudantil 
questionam o monopólio da UNE
A outra questão envolve o Movimento Estudantil. A UNE, há algum tempo não é reconhecida pelos estudantes, principalmente os mais envolvidos com o M.E., como "A" entidade nacional representativa dos estudantes. Há quem se espelhe em outra entidade nacional - a ANEL (Assembleia dos Estudantes - Livre) -, quem se organize dentro da UNE, mas fazendo oposição à sua direção, e quem se organize por fora das duas entidades. Há, claro, quem não se organize em nenhum espaço, e que provavelmente faria a carteirinha da UNE apenas para conseguir a meia-entrada, dando força para um comércio de carteirinhas, jogando de vez no buraco o papel de entidade de lutas que as entidade estudantis deveriam ter.

Assim, o novo Estatuto da Juventude, além de não garantir direitos de fato, ainda retrocede em direitos conquistados anteriormente. Quem realmente ganha são as grande produtoras e a UNE, entidade que, hoje, entre os estudantes é conhecida como o braço governista do Movimento Estudantil.

Abaixo, vídeo sobre o Fórum Luta pelo Financiamento Público da Cultura.

terça-feira, 9 de julho de 2013

sobre viver com grandes felinos

há uma onça na sala

que me olha
e me come
se não olho
seus olhos

uma onça na sala
não deveria ser coisa familiar
neste bairro urbanizado
da baixada santista

mas lá está ela
pronta pra me devorar
talvez em partes
talvez só as melhores partes

e apesar disso
agora
acho bem pouco estranho
que ela esteja ali
descansando
e digerindo sua última vítima
com calma e serenidade
como sempre aparentam ser os grandes felinos

claro
que é preciso sempre olhá-la
reparar seus olhos
e seguir
avançar com algum cuidado
sem muito alarde

(pois onças
saltam)

segunda-feira, 8 de julho de 2013

poema vasto

deste poema
que acontece com chuva
e tremor

que acontece na ausência de coragem

o que ficará é a mucosa de minha garganta
arranhando
enquanto canto
canções uruguaias
que já foram mais fáceis de serem cantadas

pois eram mais jovens
as canções e minha voz

o que ficará
é cada gota gorda de chuva que cai
e as sei uma a uma
e saberia reconta-las de trás pra adiante
e em pares
e em trios

que este momento
não é um momento
mas uma imensidão

e se reprimo meus músculos
e se comprimo meu sofrimento
e se respiro saudades

é que não me basto
não me caibo em tanta 

mas me vasto

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Projeto "um poema por dia" chega ao fim.

Acabou. Foram publicados 366 poemas pelo projeto "um poema por dia".

A ideia é que isso fosse feito ao longo de um ano. contudo, a ideia se mostrou tola e boba, quando a necessidade de escrever rigorosamente um poema por dia afetou sensivelmente a qualidade do que era escrito. Não fazia sentido escrever por escrever, para manter uma meta contábil.

Assim, comecei a apenas numerar os poemas na ordem, na expectativa de que, em dado momento, houvesse 366 poemas, um para cada dia do ano, catalogados em ordem.

Ao longo desses poemas, surgiram muitos amores, a revolução proletária que teima em não acontecer, queridas e queridos companheiras e companheiros, as opressões que nos massacram, a minha cidade, meus filhos, as dores todas e as delícias também, a vida em torno de mim, a própria poesia.

A quem se preocupe mais, poemas seguirão sendo escritos. Talvez com menos afinco. Talvez com títulos mais originais. Talvez.

O que virá, daqui pra frente, não será contabilizado. É uma nova fase, com menos regras e mais imprevisão.

Île de la Cité

île de la Cité, Henry Cartier-Bresson

     A imagem de fundo dessa semana é  a fotografia de Henry Cartier-Bresson, "Île de la Cité".


     Bresson foi um dos maiores fotógrafos da história, considerado por muitos o fundador do fotojornalismo. Para Bresson, o momento exato era de suma importância:
"No movimento, há um momento quando os elementos em movimento estão em equilíbrio. A fotografia deve capturar esse momento em manter imóvel seu equilíbrio."
(Henry Cartier-Bresson)

poema no. 366 ou poema seco

tenho pouco a dizer nesta tarde
em que a vida acontece
mas não a vejo

meus amores todos não sabem que estou agora
num quarto
diante dum papel
querendo dizer o que só pode ser dito em dissonantes
ouvindo devaneios
e os desejando

a tarde acontece pra fora dos meus olhos e eu não estou lá

na praia
onde faz frio
onde o vento arrasta areia para a avenida
suponho que haja pessoas
poucas delas
pois em praia grande a praia é quase desabitada em dias úteis

(nos dias úteis
em que se tem de ser útil ao capital
é inútil querer o ócio que sopra à beira mar)

na zona três
onde não há mar
certamente há pessoas andando nas ruas e frequentando o comércio
que se mantém aquecido mesmo em dias frios
pensando em coisas como latas de sardinha e pão francês
pois pensar em mar
é coisa pra gente que mora perto do mar
e inútil

enquanto isso
enquanto pessoas desabitam a praia e habitam lojas de sapatos
enquanto meus amores não sabem de mim e de meu amor
enquanto não digo o indizível por falta de dissonância

a tarde segue fria e seca
como o inverno deve ser deste lado do mundo
o papel segue virgem
como a tarde para mim

talvez mais tarde
quando já não for tarde
quando a concretude iluminada da tarde
não for mais que um lampejo efêmero
se já não for tarde
quando a noite
vindo da áfrica
tocar a areia
e chegar até a av. afonso chaves

eu a beije
e ela a mim

quinta-feira, 27 de junho de 2013

poema no. 365

fazer um poema
apaixonado
a esta altura da vida
em que pessoas morrem
sob viadutos

de fome
de frio
e de luta

é coisa de poeta insensível

a vida ardendo
companheiros morrendo
mulheres e homens
queimando a vida 
em barricadas

mas e agora
se meu coração treme

de raiva
de luta
e de amor

lutarei
todas as lutas justas
com pedras e bandeiras numa mão 
e os pedaços de meu baleado coração na outra

quarta-feira, 26 de junho de 2013

poema no. 364

no verão
andarão

na verinha
andorinha

poema no. 363

não quero falar
o que quero falar

preciso de sonhos
tenho lançado mão de sonhos que me traduzam
e me recobrem a insanidade
me tragam de volta
à desrazão

acontece que
dizer o que
se em tudo
deixo de acontecer
se acontece de um carinho acontecer

mas os carinhos custam caro
a este frouxo coração

e pois
me quero acontecido
me quero firme e rijo
me quero sorrindo

o mesmo sorriso falso
que todos o sabem assim

(são e salvo
de qualquer desilusão)

domingo, 23 de junho de 2013

poema no. 362

a luta de classes
se trava também sem luta
ou
na luta que se trava no convencimento
de que só a luta muda
a gente
que só a gente muda
a luta

a luta de classes
se trava também nas ruas
se trava comendo bala
se trava chorando nas nuvens
de gás

se trava socorrendo feridos
se trava na dúvida de si
na dúvida do mundo

se trava não sabendo que passo dar
para onde dar

a luta de classes se trava parando por um segundo
e olhando o mundo
e entendendo-o

e comendo bala
e chorando gás

a luta de classes se trava entre classes
contra a classe que oprime
que domina
que se infiltra
que aponta meninos

mas
que teme
a minha classe

sábado, 22 de junho de 2013

Nu no Azul

A imagem de fundo desta semana é esta ao lado. Nu no Azul.

Foi feita precariamente a partir da técnica de light painting, com uma câmera amadora, mesmo. Utilizando a função "retrato noturno".

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Esboço de Blog de cara nova e com novidade

O esboço de blog que ia ser passou por uma revisão estética e terá uma novidade. Toda semana haverá uma nova imagem de fundo. Ela será alterada digitalmente para atender ao esquema de cores do blog, mas a imagem original será postada também no blog.

Nesta semana a imagem de fundo é uma foto minha, do Parque do Ibirapuera. É uma fotografia multi-exposta de um bosque do parque.

E seguem os artigos sobre cultura e arte em "esboços quentes" e o "um poema por dia", que já está em sua reta final.

domingo, 9 de junho de 2013

poema no. 361

companheira
não sou nada
nem posso ser nada
agora que o mundo se abre num abismo
e se mostra em dor

não somos próximos
não somos nada
mais que companheiros de luta
em busca de outro mundo
(um que não possua abismos
um que não se mostre em dor)

e por não sermos nada mais que companheiros
é que te digo
há aqui um companheiro
e em volta há tantas outras
tantos outros

a vida seguirá doendo
haverá ainda (talvez para sempre) um buraco do tamanho de um abismo doloroso

mas teus companheiros
e tuas companheiras
sempre haverão de estar ao teu lado
para sofrer de tua dor
se for preciso
e para seguirmos
adiante

poema no. 360

sei que não farei um poema
não há talento
nem dedicação neste momento
para que seja escrito um poema

não há paciência para que se desconstrua a linguagem
para que eu me detenha sobre a forma
para que eu pense sobre questões de prosódia

ainda assim
escreverei com meu estômago
que queima
de tanto que como
na tentativa de me tornar feliz
substituindo-te
por gorduras e sal

escreverei sob a vertigem
e mais
sob a intensa certeza de saber-me tolo
fraco e tolo
imensamente fraco tolo e bobo

vertiginosamente
escreverei ao léu
não um poema
mas uma cuspida
após o pronunciamento de seu nome
lacrimal

sexta-feira, 7 de junho de 2013

AMOR ANTICAPITALISTA

Poema de El Rey Peste
Tradução de Mauricio de Oliveira Filho
Original em Espanhol pode ser lido no Blog do próprio autor em Cultura Indigente.

No dia em que decidimos abolir
a propriedade privada,
deixei de crer-me teu,
deixaste de crer-te minha
e, por fim, nos descobrimos
livremente NOSSOS.

Uma mais valia de beijos
encheu as calçadas,
a poesia saiu desnuda
até a rua
para socializar metáforas.

A dialética da saliva
varreu os capitalistas
das esquinas.

A burguesia buscou
refúgio nos tapetes,
enquanto as mulheres públicas
se emancipavam
do dicionário.

No dia em que abolimos a propriedade,
nos descobrimos NOSSOS
e um fantasma percorreu
Europa
e Asia e
América
e África..

terça-feira, 28 de maio de 2013

poema no. 359

deixo um coração cortado
e me sinto mal
mas que sei fazer senão
cortar corações

alguém está
meio perdido
meio sem norte
meio sem nada
meio desorientado
meio sem saber o que fazer
meio achando-se desencantado
por que cansa achar-se encantado

(ouvindo a vida
com ouvidos sérios
não se tem espaço
para ouvir delicadezas)
(e dizê-las)

(ademais
tudo indo)

poema no. 334 na parede da sala

     O poema no. 334 (leia completo aqui) recebeu uma homenagem de uma amiga muito querida. Apesar de ficar sem graça quando vou à sua casa (ele foi pintado na parece da sala), fico absolutamente lisonjeado.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

poema no. 358

1.
a vida não se abre
como se abre uma janela
(janelas não se abrem)

2.
o que há de mais terno
em você
é seu ódio
(é lindo que você odeie)
pela opressão
pela criminalização da juventude negra e pobre
pelo aparelhamento partidário dos movimentos sociais

seu ódio é o nosso ódio
mas sua carranca
é a sua manifestação
primeira
e justa

3.
é preciso te saber
antes de te gostar
                           te gostar
é um exercício de dolorido gozo
não se te saber pelo verbo
mas pela ação
por teus olhos que ferem
por teus olhos que choram de dor e mágoa do movimento estudantil

mas isso ainda é muito pouco
para te saber
para te saber
é preciso mais que olhar para a sua vida
                                                  (a vida não se abre)
                                                  mais que amar teu ódio e
                                                  mais que te saber agente

te saber é estar ao seu lado
odiando do seu ódio
chorando do seu choro
lutando da sua luta

(a nossa)

Homem de Aço

You're gonna crucify me
     Já foram escritos muitos textos neste Esboço de Blog a respeito da indústria cultural, da cultura de massa, do mercado editorial etc (veja aqui, aqui e aqui). 
     O novo filme do Super-homem se enquadra em mais ou menos tudo isso. É um filme da indústria cultural, feito só pra ter lucro, é um ícone da cultura de massa, e tem suas origens no mercado editorial de quadrinhos, com tudo de podre que ele oferece (veja aqui o que já foi escrito sobre a morte de heróis nas HQ's). Mas acontece que, diferente de outras vezes, eu estou muito ansioso para ver este filme. E por vários motivos.
     Em primeiro lugar, nasci homem, cresci homem e como tal, fui ensinado a gostar de pancadaria. Claro de há alguns anos venho reconfigurando meus gostos. Mas há ainda um ranço nostálgico que me visita por vezes.
    Pelo mesmo motivo, numa pequena fase de minha adolescência eu gostei  bastante de quadrinhos. E não era de Piratas do Tietê, nem de nenhum fanzine do colégio, mas de Super-homem, X-Men e congêneres. Comecei a ler pouco antes de rolar aquela história da morte do Super-homem. História  ridícula, feita pra vender gibi e que deu certo. 
     Em suma, Super-homem se tornou meu personagem favorito. Na verdade parei de lê-lo poucos anos depois de ter começado (um ou dois), mas ficou uma coisa nostálgica que é reflexo do laço da cultura de massa. E apesar de saber de tudo isso, não consigo não ficar ansioso para ver o filme. É como torcer para um clube de futebol apesar de saber de toda a sujeira que envolve o futebol profissional.
     Em parte me alivia saber que consigo distanciar-me de meu prazer adolescente e fazer uma leitura crítica de quê significa o Super-homem para a cultura de massa. Em parte me envergonho de não conseguir me distanciar o bastante para não ir ao cinema alimentar essa máquina de fazer dinheiro às custas do trabalho de muitos e da alienação de milhões. Mas, em parte também sei que fui socializado aqui, não em Marte, e por isso será difícil mesmo libertar-me de alguns hábitos bobos, como ficar acompanhado as notícias do filme de seu herói favorito.

domingo, 19 de maio de 2013

poema no. 357

A Manoel de Barros

ensinou-me pasquale cipro neto
só pra cima se pode subir
por isso
se diz-se
subi pra cima
há uma redundância
um vício de linguagem

mais tarde desensinou-me joaquim pilé
que ele tinha subido pra dentro de si
e visto com os olhos (mas pelo lado de dentro)
como é alto e escuro dentro de si
e depois de tanto subir
acabou no meio do escuro perdido
e não sabia voltar

então gritou alto três vezes uma reza de índio
que tinha aprendido com sua mãe
e já tinha descido pra fora de novo

joaquim pilé me desensinou
que pra fazer poesia
é preciso ser viciado em linguagem

quinta-feira, 9 de maio de 2013

poema no. 356 ou vigília onírica

sei que te vi
e te toquei
e nos tocamos

e se sei
se me sei e te sei
é porque sinto na pele a tua pele
e nas mãos o teu cabelo
e no ouvido esquerdo uma lembrança de tua voz
me dizendo qualquer coisa que não faz sentido agora
mas que fazia porque era a tua voz

sei que senti tua falta
quando te viraste e foste ao quarto ao lado
e eu te chamei e tu respondeste
que não poderia ser mesmo assim
pois a vida nos impede com suas concretudes
e desassombros

eu sei que fiquei triste
sei porque ainda está cá a tristeza
de saber que tua mão e tua voz eram vapor
ou não
ou eu sou vapor
onírico
e ficaste tu
concreta e sólida e fria pra trás

acontece que não sei o que saber
se tua pele tocou minha pele (mas tocou)
se tua voz entrou em mim (mas entrou)
se ficaste para trás (mas ficou)

acontece que não sei se o que sei
soube de fato ou só penso que soube
mas eu soube
quando subi em ti
e seguimos assim por duas quadras
e me disseste
                    para mauricio
e eu parei

acontece que agora
que me sei vivo
que me sei desperto
sei que tua mão e teu cabelo
não são vapor
e não me tocam
embora eu lembre de cada segundo
em que deslizaste por mim

(talvez eu esteja um tanto confuso)



quarta-feira, 8 de maio de 2013

poema no. 355

que difícil que está sendo isso
isso de não se lembrar
isso de resistir a querer
isso de precisar sonhar

é preciso que sonhe
é preciso que olhe
e veja mais que sonho
é preciso que se espere mais que sonhos

porque haverá resistência
e eu esquecerei

e eu não saberei mais dizer
do que fiz
do que fez
do que aconteceu
se é que aconteceu

quinta-feira, 25 de abril de 2013

poema no. 354

na cama
ao teu lado
olho para o teto
e ele não é nada mais que o teto
descascado e úmido
de nosso quarto

como a cama mesmo
não é nada senão uma cama
que já foi de meu avô
de onde ele foi tirado e pra onde nunca mais voltou

os sapatos jogados
que são fora sapatos
a que se prestam os sapatos
meios sujos
meio furados
para além de sua existência como sapatos
como sujeira
como furos

os sapatos
que já carregaram significados complexos e diversos
neste momento não podem carregar nada
nem eu nem meus pés
nem qualquer coisa minha
que eu mesmo não carrego mais

e eu
que sou pra além de um corpo
ao teu lado
de um corpo que pesa na cama
já muito tarde
e teme
e treme
e (sim)
   freme

mas não mais como quem olhasse e visse outra coisa
outro mundo
mas como que olha e vê o teto

quarta-feira, 17 de abril de 2013

poema no. 353


Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
(Carlos Drummond de Andrade)

não há muito o que ser dito
tudo já foi dito
mil vezes
pra mil pessoas
em mil cenários
de mil maneiras
em mil línguas

ainda assim

poderia lançar mão de dois ou três
artifícios formais
e fazer um pequeno poema
(ou algo assim)
sobre o que foi a vida
(ou algo assim)
nos últimos meses
nos últimos dias

mas tenho a impressão
de que não há forma
formalidade
que dê conta
da dor
da cor torpe que tomou minha pele
meus pelos

poderia escrever três ou quatro versos vagos
mas
e a vaga que arrebentou
dilacerou
esfrangalhou
tudo

expor
abrir o meu peito
rasgar meu tórax e deixando passar
vazantes debulhadas e raivosas
(que de raiva e debulho estou cheio)
muito menos adianta
ou verte-se em arte

e que pode a arte

e por isso
é preciso que se lance mão da concretude
da palavra
saudade
da palavra
sozinho
da palavra
pronto-socorro
da palavra
suicídio
da palavra
medo
da palavra
mal-cheiro

lá fora as coisas seguem
sendo coisas e só
mais nada

a vida seguirá com
seus objetivos
apesar de qualquer delicadeza
que haja em meus olhos
a vida seguirá
com baixos salários
com sub-empregos
com crianças encarceradas

porque a vida não suporta amenidades
a vida
não suporta lirismos
como meus ombros
não suportam o mundo

quinta-feira, 11 de abril de 2013

poema no. 352 ou poema mudo

tem tanta coisa que eu sei
tanta coisa que eu sei
porque li
porque vi
porque fui sabendo de tanto dessaber
                             de tanto dissabor

mas aí acontece que eu me pelo de medo
por nada
por coisa besta
por exemplo se olho na janela
e lá fora tudo não mudou
como eu mudei
tenho medo do mundo se ele não muda
tenho medo de mim se me emudeço

e aí me sinto um tolo
eu que sei tanto
eu que li tanto
eu que tanto descobri de tanto duvidar

não sei como ter coragem
e mudar o mundo
como eu soube me mudar

domingo, 24 de março de 2013

poema no. 351

não é porque estou apaixonado
(sempre
o tempo todo
por tanta gente
ao mesmo tempo)
que sou poeta

mas pela quantidade
de espaços vazios em meu peito
pela quantidade
de espaços vazios noite adentro
noite afora
pelo imenso vazio que é a noite

pelos tantos vazios
em que me enfio
noturnamente

e só sobra a vontade imensa de trepar
desesperadamente
e me embriagar
me preencher de embriaguez
desesperadamente
e me desesperar
embriagadamente

sou poeta
mas não porque conheça
os exercícios formais
porque tenha ido a aulas de ritmo
e arquitetura
e linguística

sou porque sou
porque verti-me em
vesti-me
de delírios insones
e os enfiei em mim
em cada espaço vazio
oco
inócuo

e porque
me preencho
porque estou
pleno de nada
penso que sou
o que não sou
e
vou
como quem fosse
mas não vai

e aí
dou a usar olheiras
dou a masturbar-me
noite adentro
a ferir-me noite adentro
a gargarejar ideias
e fonemas
e mumúrios sem porquê
sonhando
e pensando em coisas que não existem
em coisas que não passam de palavras
significante significado objeto representamen interpretante
em coisas que não podem me ferir
não podem
mas ferem

segunda-feira, 18 de março de 2013

poema no. 350

um rivotril
ou dois
bastariam para fazer de mim
o homem mais feliz do mundo

aquele que não disse o que disse
aquele que não fez o que fez
aquele que disse o que não disse
aquele que fez o que não fez

claro que a depressão do sistema nervoso central não é coisa com que se brinca

claro que sempre se pode dispor de outros métodos
chás
maconha
chás alucinógenos
exercícios para respiração
masturbação

mas o bem da ausência
o ser o que se não foi
só com um rivotril
ou dois

sexta-feira, 15 de março de 2013

poema no. 349 ou poema sensato

sempre

a sisudez
a sensatez
a aspereza
a frieza
a certeza

é certo que havia beleza
- uma áspera beleza -
e havia sorrisos
- uns ásperos sorrisos -
e havia ternura
- uma fria ternura -

mas havia a relutância
em crer que
de nós
a sensata
de nós
a certa do que havia de ser certo
a dona dos olhos abertos
(que há hora de tê-los abertos)

chorava
levava o sentimento ao limite
rasgava o coração

pois rasga

segunda-feira, 4 de março de 2013

poema no. 348 ou versinhos conservadores de amor

amor não te amo
como já te amei
como naquele tempo em que
tu eras rainha
e eu um rei

não fiques preocupada
não há o que temer
é que amor não é amor
se nele estiver contido
o poder

não fiques magoada
nem fiques com saudade
que amor só é amor
se nele estiver colada
a liberdade

não se sintas culpada
não é questão de culpa
é coisa de amor
que amor é coisa como nós
coisa que muda

então não fiques presa
ao nosso amor primeiro
que eu não mais te possuo
eu te amo como ama
um companheiro

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

poema no. 347

meu poema não é
um poema de amor

é um poema de medo

que é o medo
quem tem me movido
para cá
onde há muito estou

se não digo coisas belas
estrelas
luas
mares e estrelas
é que o medo tem sido antes
o medo tem sido primeiro

e há que ter medo
que o medo
é o alimento

deste poema
deste poeta

o medo é o alimento
e é ele que me come
e me mantém
obcordiforme

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

poema no. 346 ou poema úmido

acontece que tenho andado
em quarto escuro
ouvindo música triste
(que música triste é mais bela)
e a escrever poemas tristes
(que eles são mais belos)

isso porque em algum momento
de minha vida
que em algum momento
passou pela tua
minha vida se desvencilhou da tua

e se te vejo
passando
andando
falando
sorrindo
chorando
fazendo coisas que as pessoas fazem
quando estão longe

dá uma saudade
que me esburaca

e se tu
me olhas
me acenas
me tocas
me beijas
me abraças
me dizes qualquer coisa delicada

dá uma vontade
de sair andando
chorando
andando sempre pra longe
que longe
muito longe
num quarto escuro
numa música triste
o pranto é secreto

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

poema no. 345

como não depender de você
de você só ao meu lado
dormindo mesmo
sonhando talvez (comigo?)
fazendo qualquer coisa cotidiana
esperando o ônibus que nunca vem
a vida que há de mudar
estando mais que sendo
estando só
ao meu lado

se nasci pra ser assim
dependente
não de você
mas de tudo que se ponha ao meu lado
e sorria

se você sorri e me olha
sorrindo
se você sorri
e permanece sorrindo quando dorme
e talvez sonhe com outra
com outras coisas
e sorri
sorri

e me hipnotiza e me tira de mim e me põe em suspensão

mas acontece
que a vida não se vive em suspensão
a vida tem urgências concretas
que pede meus pés no chão
que me pede sem sorrisos
que a vida é coisa séria

acontece que a vida
precisa de mim inteira
porque de mim
e de minhas companheiras
querem mais meu sexo que meu sorriso
mais meu ânus que minha estância
ou minha espera cotidiana

por isso
eu te amo
mas não te quero
mais que quero mudar o mundo
mais que quero mudar o mundo em um mundo
onde minha boca valha mais dizendo sorrisos
que se portando como um orifício

poema no. 344

em pensar
em cada folha do carnê
em cada garfada de arroz com bisteca
em cada casa com seus vazamentos e sinais de umidade verde
morro como se a vida acabasse
se esvaziasse
se esvaísse vazia e flácida

em pensar
que nada supera o capô de meu carro que teima em não fechar
que nada supera o banho apressado entre o almoço e o ônibus
que nada supera o ônibus entre o banho e a aula que é ansiolítica
tendo a viver de suspiros
com um olhar de peixe morto
como os do mercado de peixe que frequento às quintas
só que vivo

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

poema no. 343

there was a boy
a very strange
enchanted boy
(Eden Ahbez)

sim
há o encantamento
mas menos pelos olhos
menos pelos cabelos
ou pelos pelos
(que se ouriçam
se uma palavra bela os toca)

há o encantamento
mas mais pela força da palavra
que sai da boca
que treme e me ouriça
pela ênfase do olhar que os olhos fazem
pela seriedade dos cabelos
que são sérios se assim é preciso
que são lindos se é hora de serem lindos

mais porque
tem hora de estar encantado

e ser menos preciso
menos necessário
menos síndico
responder menos
cuidar menos
administrar menos

tem hora
que é só hora
do encantamento

poema no. 342

ser covarde é
não ter coragem

- não fazer o que
tem de ser feito
porque se tem medo

como parar na frente
de alguém e dizer
o que se pensa
o que se sente

porque dá medo de dizer
o que se sente
e o interlocutor dar de ombros
não gostar

saber que o que se sente
não é o que o outro sente

(como alguém ousa
não pensar
como sinto)

poema no. 341

iara não é sereia
sereia tem rabo de peixe
cabelo louro
e canta em europeu

iara é índia
tapuia
cabelo preto
e canta em brasileiro

não passa iara na tevê
iara passa andando deslizando
só na minha cabeça

dilacerando meus lábios
rasgando devorando meu coração
e voltando nadando afundando no
igarapé

iara na minha cabeça
é iara afundando no meu corpo
e meu corpo afundando na iara

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

poema no. 340

sonhei que estava parado
parado só
olhando

não dizia
não movia
não partia

só olhava
(e pensava)

só podia olhar
(e pensar)

igual quando estou
acordado

e só olho
e só penso

(é que há sonhos
e há vidas
inefáveis
inauditas)

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

poema no. 339

estar meio
sem palavras

é ter receio
(ter medo
ao meio)

de ao dizer
uma palavra
meia palavra
uma ideia só
que não se pode
dizer

dizer o
inefável
impensável
infindável

e tornar
instável
o que já o é

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

poema no. 338

compañeras
compañeros

que se han ido
hasta otras luchas
(que son la misma)

yo
que iba
con la cabeza baja
con los ojos cerrados
de tristeza

estoy fuerte
y estoy fuerte
porque ustedes

compañeras
compañeros
existen
y luchan otras luchas

que son la misma lucha
que lucho
que luchamos

sábado, 19 de janeiro de 2013

poema no. 337

aguardando
no sereno

pele úmida
fala trêmula
corpo rígido

um tanto ingênuo
pensando que

te voltarás para mim
te colocarás diante de mim
te acomodarás sobre mim
e dirás
qualquer coisa
que não signifique

tchau

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Sobre o risco de escrever poemas

Sério. Tô bem!
     Poemas são literatura. Mas um tipo bem específico de literatura, pois em poesia a obra tem uma identificação muito íntima e carnal, mesmo, com o(a) autor(a). Por isso não é raro que pessoas me olhem estranho após aquele poema mais triste. Ou me abracem. Ou me olhem feio, por ver no poema uma clara referência a si mesmos. Pois a verdade é que, em muitas vezes, essas pessoas não estão delirando. De verdade, há referências a fatos reais, pessoas reais, coisas reais, ao Mauricio real nos meus poemas. Mas muitas, muitas vezes, não. Muitas vezes pessoas são criadas (vocês, elas, eles, eus) para que eu consiga dizer algo, ou para que eu consiga não dizer algo (às vezes quero não dizer).
     Não que o poema seja mero exercício de linguagem, ou que a construção do poema se assemelhe à construção de um conto ou qualquer obra de ficção. Não, o poema não acontece se o poeta não está afetado. É preciso que algo aconteça. Não uma inspiração. Não uma mágica. Não um toque do espírito santo. Mas é preciso estar além do estado ordinário. É preciso que haja um afastamento, um estranhamento do cotidiano. É preciso um afetamento.
     Mas, reitero: não levem-nos tão a sério, os poemas. Ou melhor, levem-nos a sério, mas não os tomem por páginas de um diário, ou por consultas com o psicanalista. Poemas são poemas, e isso já é demais.

poema no. 336

nossa história
é uma mola
agora ela fez
tóim óim óim
e nós ficamos assados

temos que
subir subir
andar andar
(eu por um lado
você por outro)
e quando ela fizer
tuim uim uim

nós estamos assim
de novo

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

poema no. 335 ou canção bobinha que sonhei

no teu poema
a tua musa não era eu

na tua canção
não era minha boca
que estava em tua voz

a tua mão
eu sabia
jamais repousaria
em meu coração

mas meu amor
ficar de longe
só olhando
esperando
e sabendo

até pra mim
que sou bobinha
tem um fim

sábado, 12 de janeiro de 2013

poema no. 334

diz alexandra kolontai
(uma poeta russa)

- O homem atual não tem tempo para amar -

então é por tanto amar
que me sinto fora do eixo
fora dos trilhos
fora do tempo
fora do mundo
(deste mundo)

um deslocando
um despertencente

é por tanto amar
que quero outro mundo
onde caiba tanto amor

onde caibam eus
onde caibam vocês

eu sei
que neste mundo não cabemos
que neste mundo
onde tudo se compra
onde a existência é mercantil

não cabemos eu e
meu amor
                      eu e você

por isso
hei de mudá-lo
eu e minhas companheiras
eu e meus companheiros
verteremos este mundo

numa terra sem amos
        eu e meus amores

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

poema no. 333

não está
nada está

nem deve estar
talvez nunca esteja

talvez eu nunca esteja
aos pés de tua nuca


quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

poema no. 332

eu entendo
(foste)
     entendo
porquês
     entendo
o quês

mas entende
é
porque
foste
      que
fosso

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

poema no. 330

minha tristeza é calma
e doce

é paciente a minha tristeza
e displicente

(uma tristeza que ri
uma tristeza que sonha
uma tristeza que fronha)

minha tristeza às vezes dorme
e fica dormindo até o dia em que faz sol

é de sol e amena a minha tristeza
é de sódio e morna
é só e doce
a minha tristeza (e calma)

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